RELÍQUIAS DO PASSADO À BEIRA DAS ESTRADAS

Não é difícil encontrar junto às estradas, máquinas antigas de diversos tipos, como gruas, máquinas de construção de estradas, autocarros, máquinas agrícolas, betoneiras, etc. São autênticas peças de museu que são colocadas pelos seus proprietários junto a vias públicas para poderem ser admiradas por quem passa. Todas essas máquinas têm um passado altamente dignificante já que foram utilizadas para trabalhar e produzir riqueza. Agora que já não têm "idade" para continuar ao serviço continuam mesmo assim a cumprir uma missão importante, neste caso uma missão didática já que através delas é possível aos mais novos ilustrar os conhecimentos que porventura adquiriram sobre as áreas de trabalho efetuados por essas máquinas ou, no caso dos mais velhos recordar o passado que elas representam.






Máquina agrícola a vapor.

Betoneira com alimentador de materiais.

Máquina utilizada na construção de estradas

Grua móvel. Ao fundo encontra-se um bonito cilindro a vapor de que já falei no blog em
"As antigas máquinas de construção de estradas".

Grua portuária, que operava em cima de carris. 

Grua ferroviária manual.

Antigo autocarro de dois andares.

Um colorido autocarro da Câmara Municipal de Coimbra


HOMENS & MÁQUINAS


Junto às estradas nacionais encontram-se, por vezes, máquinas que são autênticas relíquias, algumas de um passado mais distante, outras nem tanto, mas todas certamente com uma história interessante que nunca será conhecida, pois agora, passados que foram os anos da sua existência ativa, se encontram paradas, porque foram entretanto substituídas por outras mais modernas tecnologicamente e, mesmo estando estacionadas em locais onde podem ser apreciadas por quem gosta deste tipo de antiguidades, elas não falam, como é evidente, mas também não ostentem nenhuma descrição que faça luz sobre a sua história.
Recentemente passei junto a algumas antigas máquinas da construção de estradas e não resisti a fotografá-las, porque as aprecio, talvez porque também um dia fui trabalhador nessas mesmas estradas.
Uma máquina de construção de estradas, produzida pela MDF - Tramagal.
Uma dessas máquinas, um cilindro compactador, foi construído na Metalúrgica Duarte Ferreira, no Tramagal, conforme o emblema que ostenta e esse pormenor fez-me recordar de um camião militar Berliet Tramagal de que já falei no blogue, que encontrei moribundo, também na berma de uma estrada.
Na falta de conhecimentos sobre a história ou de dados técnicos sobre estas máquinas, decidi escrever algo sobre a história da empresa que as produziu, uma história bastante interessante, mas que infelizmente terminou com a sua extinção em 1995, devido a dificuldades económicas.
Nas pesquisas que fiz não encontrei referências às máquinas de construção de estradas, como aquele cilindro, mas elas estavam certamente englobadas na referência à produção de máquinas agrícolas e outras a que a empresa se dedicou durante a maior parte da sua existência, produção que terminou em 1964, quando a empresa enveredou pela montagem dos camiões Berliet.
 Este cilindro encontra-se no mesmo local, mas não foi possível identificar o fabricante.
A Metalúrgica Duarte Ferreira atingiu momentos de grande expansão e chegou a produzir máquinas e equipamentos para muitos setores de atividade, entre os quais a industria naval, tendo chegado a produzir lemes de 12 toneladas e cabeços para a amarração de navios, tendo também participado com materiais para a Barragem de Cabora Bassa em Moçambique. Diariamente chegou a derreter cerca de 65 toneladas de minério no Tramagal; 35 de ferro e 30 de aço.
Em 10 de fevereiro de 1964 procedeu-se à inauguração das linhas de montagem dos veículos militares Berliet, que passaram a ser fornecidos, em grande número, ao exército português e se tornaram um dos meios de transporte mais utilizados nas missões deste, entre as quais se destacavam as relativas à guerra colonial, conflito em que Portugal esteve envolvido desde o início da década de 1960 até ao ano de 1974, tendo sido produzidas, durante estes dez anos, cerca de 3 300 viaturas militares Berliet Tramagal.
Esta Berliet, montada no Tramagal, pertenceu aos fuzileiros e terminou a sua vida útil  no transporte de  madeiras.
Em consequência desta nova atividade produtiva, a Metalúrgica Duarte Ferreira abandonou o fabrico das máquinas e alfaias agrícolas. Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, e até ao ano de 1979, a empresa é intervencionada pelas autoridades governamentais portuguesas. Esta gestão administrativa acabou por conduzir a empresa a uma situação muito difícil e o espectro da falência e do desemprego começou a tornar-se uma ameaça para os seus 2300 funcionários que então empregava. No princípio da década de 1980, foram procuradas várias soluções para evitar o seu encerramento, designadamente através da produção de novas viaturas militares, os camiões TT, depois também adaptados a viaturas de bombeiros. Contudo, a realidade económica e financeira da Metalúrgica não deixou de se agravar. No ano de 1984, as greves, manifestações e os salários em atraso são a expressão das dificuldades existentes. Em 1994, os bens da Metalúrgica Duarte Ferreira, entretanto penhorados, são vendidos e, no ano seguinte, em 1995, a empresa é formalmente extinta.


AS ANTIGAS MÁQUINAS DA CONSTRUÇÃO DE ESTRADAS

O cilindro a vapor depois da intervenção de recuperação.
 Uma bela peça da engenharia inglesa dos anos vinte.
Em Miranda do Corvo, junto ao restaurante “Museu da Chanfana”, propriedade da Fundação Associação para o Desenvolvimento e Formação Profissional, encontram-se algumas máquinas que foram em tempos utilizadas na construção ou reparação de estradas. Estas máquinas, pelo que sei, irão futuramente fazer parte do museu de Miranda do Corvo e foram doadas pela antiga Junta Autónoma de Estradas à ADFP. Trata-se de um cilindro a vapor, duas espalhadoras de alcatrão e ainda um outro cilindro, este em granito que, tal como as máquinas de alcatrão, não tinha tracção própria e era em tempos rebocado por um qualquer veículo ou até por animais. Duas destas máquinas, o cilindro e uma espalhadora de alcatrão, já foram alvo de trabalhos de recuperação efectuados pela Fundação.
Uma das espalhadoras de alcatrão e o cilindro de granito.
Todos os dias passo junto a estas máquinas, que me fazem recordar uma passagem da minha vida, quando trabalhei numa empresa de obras públicas que se dedicava, entre outras coisas, também à construção e reparação de estradas.
Na altura eu fazia parte de uma equipa que fazia a implantação de condutas de saneamento e tubagens para água na vila e por isso as ferramentas mais utilizadas eram a pá e a picareta, para além de uma máquina retroescavadora. No entanto, embora com menor frequência, também utilizávamos um cilindro e uma espalhadora de alcatrão, que neste último caso era uma máquina idêntica a estas. Para proceder à abertura das valas onde eram colocadas as manilhas para o saneamento e as tubagens para a água, nós danificávamos uma parte do alcatrão das estradas e ruas, que mais tarde, quando o terreno já estava consolidado, tínhamos que repor.
O nosso cilindro apesar de não ser a vapor, por vezes vazia lembrar as máquinas desse tipo, pois para colocar o motor em funcionamento o operador tinha que pulverizar o filtro de ar com uma grande quantidade de um produto em spray, para conseguir o seu arranque que, quando acontecia, expelia para a atmosfera grandes novelos de fumo, que mais parecia que estava a queimar ramos verdes, apesar de funcionar a gasóleo.
O alcatrão, que naquela altura era fornecido em bidões, é um produto que a baixas temperaturas se encontra em estado quase sólido. Para ser aplicado tem que se tornar bem fluído e por isso a máquina do alcatrão possuía uma caldeira que funcionava a lenha, onde o produto era aquecido e depois vaporizado através de uma mangueira, manobrada pelo operador, que fazia a distribuição do alcatrão sobre a base da estrada previamente preparada para receber o produto.
Esta é a máquina de espalhar alcatrão, chegada mais recentemente  e que, com toda a certeza ,
 irá também ser alvo de obras de recuperação.

A máquina depois da intervenção de recuperação
Antes da difusão do tapete betuminoso, o alcatroamento das estradas era feito de um modo bastante diferente do actual. Devo dizer que não sei muito do assunto, pois quando trabalhei nesta empresa, o trabalho da equipa em relação ao alcatrão, era apenas o da reposição do pavimento nos sítios onde tinham sido abertas as valas. No entanto o modo de trabalhar era mais ou menos o mesmo, e nós procedíamos da seguinte maneira:
No sítio da vala era aberta uma caixa com cerca de 20 cm de profundidade, que depois era cheia com brita, que por sua vez era bem pisada com o cilindro. Quando o solo se encontrava bem regularizado e limpo fazíamos uma espécie de procissão com as nossas velhas máquinas, do seguinte modo: À frente ia o cilindro que rebocava a máquina do alcatrão; o operador ia manobrando o espalhador e distribuindo o produto por cima da brita e um camião da empresa, carregado de areia encerrava o “cortejo”, seguindo em marcha-atrás. Em cima da caixa do camião seguiam dois operários que procediam ao espalhamento de areia em cima da brita já “regada” com o alcatrão. Eu costumava fazer este trabalho, que exigia alguma perícia, pois a areia tinha que ser uniformemente distribuída e para isso a pá tinha que ser manobrada de modo a que os inertes caíssem em forma de chuveiro em cima da brita de forma a cobri-la com uma camada certa.
Quando terminávamos, o terreno era novamente pisado com o cilindro e depois repetíamos a operação, pois eram aplicadas duas camadas de alcatrão.
Este trabalho, normalmente, era feito com bom tempo e sobretudo no verão; no entanto, quando soprava algum vento, era uma catástrofe. Quando isso acontecia, levávamos com parte do produto em cima e por isso vestíamos roupas já muito velhas e usadas, pois o alcatrão é muito difícil de eliminar do vestuário e das partes do corpo que eram atingidas. Mas quem sofria mais com isso era o operador da máquina do alcatrão
que por vezes parecia um autêntico carvoeiro!

O cilindro antes da intervenção de recuperação.

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