Conde de Avilez

Em 12 de Outubro de 1895, o Conde de Avilez trazia o primeiro automóvel para Portugal... e provocava o primeiro acidente automóvel


Quando, no início do século XX, surgiram os primeiros automóveis em Viana do Castelo, os cocheiros dos trens de aluguer e das diligências protestavam contra os sustos que os bólides causavam às suas parelhas, tendo mesmo aparecido uma quadra atribuída ao poeta repentista Manuel de Araújo, que era, na cidade do Lima, cônsul da França, que rimava a propósito do espanto dos animais: "Se um carro sem besta à frente / passa à frente, resfolegante, / besta de trem ou carroça / não me espanta que se espante!".
O verso vem a propósito do primeiro acidente de automóvel que houve em Portugal e que ocorreu em Palmela, tendo tido como protagonistas um automóvel e um burro.
Corria o ano de 1895, quando, em Outubro, o Conde de Avilez recebeu em Lisboa o seu automóvel encaixotado, vindo de França acompanhado por um mecânico. Jorge de Avilez era grande proprietário no Alentejo, tinha funções na Casa Real, possuía residência em Santiago de Cacém e nutria a paixão pelo desporto. O seu Panhard-Levasser, a trabalhar a gasolina depois de acender dois maçaricos e de rodar a manivela, iria tornar-se objecto de espanto e de atracção entre as pessoas que o viam passar.
No dia 14 desse mês, o carro chegou a Setúbal ao anoitecer, tendo partido, no dia seguinte, para Santiago de Cacém. O repórter do jornal O Elmano, de 16 de Outubro, contava: "o trem caminha perfeitamente e dá as voltas muito bem" e, "na Praça de Bocage, juntaram-se mais de mil e quinhentas pessoas para assistir à partida do senhor Conde". A notícia era curta de pormenores, talvez porque tivesse ainda decorrido pouco tempo entre o evento e a redacção, mas o semanário O Districto, que se publicou no domingo seguinte, 20 de Outubro, contava mais pormenores, dizendo que o Conde de Avilez, antes de partir, percorreu "algumas ruas da cidade, concorrendo muito povo a admirar este novo phaeton, primeiro em Portugal", relatando mesmo a viagem que o carro fizera desde o Barreiro até Setúbal: "Esteve na terça-feira nesta cidade o novo trem movido a petróleo. Vinham no referido trem o seu proprietário, sr. Conde de Avilez e um engenheiro francês, segundo nos consta. Veio numa hora do Barreiro a Setúbal por Palmela, onde foi enganado no trajecto a seguir, tendo de descer a calçada de Palmela, que é muito íngreme. O trem, ao chegar ao fim da calçada, involuntariamente atropelou um burro, molestando-o levemente". Tinha acontecido o primeiro acidente de automóvel em Portugal.
O que sucedeu depois? É ainda O Districto quem conta: "diversos sujeitos fizeram com que o sr. conde de Avilez depositasse quarenta mil réis, aliás não o deixariam seguir. Resolveu aquele cavalheiro depositar o referido dinheiro com a condição de trazerem o burro no dia seguinte à cidade para ser inspeccionado, o que se fez, sendo o prejuízo avaliado apenas em dois mil réis, devolvendo o dono do burro o resto do dinheiro". Assim, não ficava o proprietário do animal tão beneficiado quanto desejaria, uma vez que a soma depositada pelo conde era avultada, nem o conde era enganado na indemnização a pagar..
O Panhard-Levasser do Conde Avilez encontra-se hoje exposto na Secção Regional do Norte do Automóvel Clube de Portugal, no Porto, não podendo sair desta cidade para nenhum outro ponto, por disposição testamentária do seu último proprietário. Trata-se de um carro com motor Daimler de gasolina, com potência de 2 cavalos, podendo atingir uma velocidade máxima de 20 quilómetros por hora. A iluminação do carro, mais para ser visto do que para o condutor ver, é feita por dois cotos de vela protegidos dentro de duas lanternas, uma de cada lado do veículo. A marca do carro deve-se aos apelidos dos seus construtores, René Panhard e Émile Levasser, ambos franceses, que se associaram para a construção automóvel, tendo iniciado os motores a gasolina em 1891, à custa da patente negociada com Daimler.
Este acidente ocorrido em Palmela entre um carro e um burro não foi o único do género na história local. Em Abril de 1968, a edição do jornal O Setubalense do dia 17 noticiava que, na freguesia de Quinta do Anjo, "uma muar que se espantou provocou o choque entre uma camioneta e uma carroça", tendo os dois ocupantes da carroça ficado feridos e sido transportados para o hospital de Palmela.
O primeiro acidente de automóvel em Portugal acontecido em Palmela iniciou uma longa lista de desastres que a sociedade e o poder político têm tentado combater, mas a história dos automóveis ligada ao concelho de Palmela tem tido episódios bem mais felizes, seja pelos indicadores de industrialização e emprego, como é o caso da fábrica da Volkswagen (a Autoeuropa), localizada na freguesia de Quinta do Anjo, seja por razões de turismo e de lazer, como é o caso do Kartódromo Internacional de Palmela, situado na freguesia de Palmela, uma e outra instituições já reconhecidas pela sua qualidade e dinâmicas.

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