GASOGÊNIO



É muito difícil que o gasogênio venha ser usado em automóveis, principalmente na cidade: a adaptação custa muito caro e ele prejudica o comportamento dos carros leves por causa do peso. Além disso seu rendimento não é bom, como mostra o teste feito com um carro a gasogênio.



O gasogênio é inviável para o uso em automóveis, principalmente no trânsito urbano. E não só por causa do preço alto da sua adaptação, entre Cr$ 150.000,00 e Cr$ 200.000,00, mas também porque o carvão - o combustível - custa caro e torna o investimento de difícil recuperação.
Muito utilizado no Brasil durante a Segunda Guerra como decorrência do racionamento da gasolina, o sistema não é vantajoso também para percursos curtos. Além disso, existe o fato de que a sua instalação modifica, de maniera ponderável, o comportamente do automóvel por causa do peso.
O uso do gasogênio já está regulamento pela STI (Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio). Pode ser utilizado em carros de passeiuo, desde que os fabricantes dos aparelhos consigam demonstrar aos técnicos da STI que a segurança dos veículos não será prejudicada.
Desvantagens
Tudo indica, porém, que o gasogênio será mais usado em picapes (veja o teste de uma C-10 na página 62), caminhões, ônibus, tratores, caldeiras e motores estacionários, principalmente nas zonas rurais próximas das regiões produtoras de carvão vegetal, onde ele é mais barato e fácil de obter.
Responsável pela equipe que vem desenvolvendo o "projeto gasogênio" para a Lorenzetti (indústria mais conhecida pela fabricação de chuveiros, e que foi uma das primeiras a produzir sistemas a gasogênio para carros, em 1941), o engenheiro Eduardo Moura está convencido de que a grande vantagem desse combustível será sentida no interior, onde o preço do carvão é bem mais acessível.
- Um quilo de carvão, que chega a custar Cr$ 4,00 no interior, rende tanto quanto um litro de gasolina. Mas nas capitais existem alguns inconvenientes para o uso do gasogênio: a dificuldade de se conseguir carvão e o seu preço, de aproximadamente Cr$ 40,00 por quilo nos supermercados.
Um carro movido a gasogênio não tem funcionamento imediato: é preciso esperar de 5 a 10 minutos para que o gás, formado no gerador pela queima do carvão, seja suficiente para alimentar o motor. Começa aí, então, o aquecimento do motor com gasolina ou álcool (por lei, um veículo adaptado para o gasogênio deve manter o uso de seu combustível original). Só depois é que o motor passa a ser acionado pelo gasogênio, por meio da manipulação de botões instalados no painel do carro.
O que é um inconveniente: para um percurso curto, o uso do gasogênio pode vir a ser menos econômico do que o de gasolina ou álcool. O que limitará o uso de veículos movidos a gasogênio nos centros urbanos. Essa conclusão é reforçada por uma recente pesquisa que revelou que na cidade a grande maioria dos motoristas percorre em média 10 km com o motor funcionando continuamente 20 minutos.
Eduardo Moura aponta outra dificuldade para o uso do carro a gasogênio nos centros urbanos:
- É muito difícil evitar sujeira durante a limpeça dos filtros e o abastecimento de carvão. Por isso convém fazer isso em lugares espaçosos, que não incomodem outras pessoas. Duvido que o síndico de um prédio de apartamentos permita operações como essas na garagem.
Além de tudo é preciso habilidade e algum conhecimento técnico:
- É necessário limpar a cada dois dias alguns elementos filtrantes do aparelho para evitar entupimentos que impedirão a passagem constante do gás até o motor. E a autonomia do veículo a gasogênio é bem inferior à do carro a gasolina ou álcool, o que exige abastecimento mais freqüente.
A queda no desempenho
Outro aspecto que contribui para a inviabilidade do gasogênio em automóveis de passeio é a perda de potência do motor.
Segundo a Lorenzetti, um motor a gasolina adaptado para o uso do gasogênio perde cerca de 30% de potência, uma perda séria em veículos equipados com motor de pequena cilindrada.
Segundo o engenheiro da Lorenzetti, que andou muito em um VW 1500 adaptado para o uso do gasogênio pela própria fábrica, a queda de potência dificultou o uso do carro:
- Um dos graves problemas era o das saídas de sinais: o carro saía lentamente e atrapalhava o tráfego. Na estrada o rendimento caía muito nas subidas: era duro agüentar os motoristas de caminhões irritados com a lentidão do meu carro.
É por tudo isso que Eduardo Moura acha melhor adaptar o gasogênio a automóveis maiores e mais potentes.
- Nos carros grandes a perda de potência não é tão sentida. O desempenho deles permitirá que acompanhem o fluxo normal do trânsito.
Sobre o desempenho, Eduardo diz também que a queda acentuada de potência num motor a gasolina ocorre por causa de sua baixa taxa de compressão. Apesar de a Lorenzetti não ter feito testes com motores a álcool, de taxas mais elevadas, ele acredita que neles o rendimento cairá apenas 5%.
Um dos maiores especialistas de automóveis no país e que lembra bem da utilização do gasogênio durante a Segunda Guerra Mundial, Jorge Letry, não acredita que esse sistema será usado nos automóveis atuais:
- Apelar para o uso do gasogênio nos automóveis é um absurdo, quando temos o álcool e outras soluções energéticas mais viáveis. Talvez se pudesse recorrer a ele se houvesse um racionamento de gasolina, como aconteceu durante a guerra.
E a segurança?
Letry também aponta um aspecto curioso em relação ao uso do gasogênio nos dias de hoje:
- Os sistemas atuais são quase iguais aos de antigamente. As mesmas fábricas que desenvolveram o gasogênio na época do racionamento voltaram com a idéia. E essa é uma tecnologia muito desatualizada em relação aos automóveis modernos, o que significa um problema para a segurança.
Apesar de não ter dirigido nenhum carro atual movido a gasogênio, Letry acha quase impossível obter resultados satisfatórios em dirigibilidade:
- É só imagina um fusca com mais 120 kg do aparelho no eixo traseiro. E o Fusca normalmente já tem 60% do pesso atrás. Duvido que se consiga dirigibilidade com as rodas dianteiras. E para enfrentar uma subida íngreme com esse peso na traseira? Tenho até a impressão de que o Fusca é capaz de empinar.
Para Letry, a instalação do aparelho de gasogênio não prejudicará só a estabilidade um Fusca como também de qualquer outro carro:
- Imagine só como andaria um carro de tração dianteira com aquele peso atrás.
Segundo a STI, o aparelho de gasogênio deve ficar em suportes estruturais do veículo, no compartimento de carga (para caminhões e picapes) ou em reboque apropriado. A instalação do aparelho numa carreta pode ser boa solução apra automóveis, pois não compromete a sua estrutura.
Carreta, uma solução?
- Utilizando o sistema acoplado a uma carreta, o motorista pode usar o carro normalmente e só instalar o gasogênio quando precisar andar muito, quando terá certeza de que economizará combustível - lembra Eduardo Moura.
Mas o uso do gasogênio em carreta é mais difícil ainda nos grandes centros urbanos. Por causa do baixo rendimento do carro e da extensão da carreta, ele atrapalharia ainda mais o trânsito. Seria difícil também de estacionar e ocuparia a vaga de dois automóveis.
Para usar somente nos fins de semana, quando a carreta sria acoplada para viagens mais longas, o proprietário teria de ter uma garagem bem grande.
Por causa de todas essas dificuldades, os principais fabricantes de aparelhos de gasogênio não acreditam que eles venham a ser usados em automóveis.
No caminho certo
- As fábricas ainda não podem investir muito em projetos mais compactos e mais leves para automóveis, pois isso não seria rentável a curto prazo - explica Eduardo Moura.
Por isso estão mais interessadas no amplo mercado de transporte de cargas (caminhões, ônibus, picapes e tratores) e industrial (geradores, caldeiras e motores estacionários). São áreas em que o gasogênio vem demonstrando ser mais viável. Tanto que a Volkswagen do Brasil já vem fazendo experiências com motores estacionários movidos a gasogênio.
Segundo a Securit, outra fábrica que pesquisa o sistema, "o gasogênio constitui alternativa altamente econômica já que o carvão vegeral é matéria-prima facilmente encontrável em zonas rurais e de baixo preço. Atualmente, o quilo do carvão custa cerca de Cr$ 11,00 no varejo, caindo para Cr$ 4,00 se adquirido em carvoaria, por atacado.
Caso o usuário decida fabricar seu próprio carvão, como podem fazê-lo reflorestadores e fazendeiros, o custo do produto fica em torno de Cr$ 0,80 o quilo, o que acentua ainda mais as vantagens de economia operacional do gasogênio".
Para uso em veículos grandes, o gasogênio é viável
- Eu já ando com gasogênio há dez anos e acho esse o melhor sistema.
A opinião de Bráulio Gruailute expressa bem sua satisfação com o gasogênio. Ele é motorista da Lorenzetti para veículos movidos a gasogênio. Com 61 anos e muita prática no uso desse sistema, Bráulio nos acompanhou no primeiro teste feito com um veículo movido a gasogênio: uma picape C-10 com motor de seis cilindros a gasolina.
Começamos avaliando o consumo da picape a gasolina e vimos que o motor batia pino. Bráulio explicou:
- Avançamos a regulagem do distribuidor, porque assim o motor rende melhor com gasogênio. Mas bate pino quando se usa gasolina.
Depois de quase 200 km, enchemos o tanque, e a picape obteve a média de 5,45 km/litro - média razoavelmente boa para estrada, levando-se em conta o avanço do distribuidor e o peso do aparelho instalado na caçamba - ele tira cerca de 1/3 da capacidade de carga da picape, sem contar o carvão necessário para viagens longas.
Bráulio já havia explicado a maneira correta de dirigir o veículo, quando movido pelo gasogênio, mas insistiu em começar guiando para que percebêssemos melhor o funcionamento. Colocou 15 kg de carvão no gerador e acendeu-o com uma estopa embebida em gasolina. Antes de o carvão formar gás suficiente para movimentar o motor, ele fez uma demonstração:
- Liguei o carro com gasolina e vou passar rapidamente para o uso do gasogênio. Assim o motor falha quando o gás ainda não está no ponto.
Cinco minutos depois o carro já funcionava normalmente a gasogênio, sem que se percebesse perda de rendimento. Mas quando chegou à primeira subida mais forte, a velocidade baixou a 50 km/h, embora sendo acelerado até o fim.
Depois de 5 km, começamos a dirigir. A impressão era de que seria fácil guiar com gasogênio, como vinha fazendo Bráulio até ali. Ligamos o motor usando gasolina e fomos seguindo as recomendações dele. Primeiro, movemos a chave da esquerda do painel e interrompemos a passagem de gasolina para o carburador. Esperamos até o motor falhar, quando acabou de consumir o resto de gasolina que havia permanecido no carburador, e puxamos o botão de entrada do gás. Então fomos controlando, por meio de outro botão, à esquerda, a entrada de ar que se misturaria ao gás antes de ele chegar ao motor. Mas o motor começou a falhar e morreu.
- O botão de entrade de ar é muito sensível - lembrou Bráulio.
Na segunda tentativa acertamos mais ou menos a entrada de ar e pusemos a picape em movimento. Uns 50 metros à frente o motor voltou a falhar e parou. Bráulio explicou:
- É assim mesmo. Quando uma pessoa compra o aparelho na fábrica, fica comigo umas quatro horas aprendendo a dirigir. O segredo é só o botão de entrada do ar.
A partir daí não houve mais problemas: era preciso ir regulando o botão. Pisando fundo no acelerados, percebemos que o rendimento da picape havia caído muito em relação ao uso de gasolina. Na subida seguinte a velocidade caiu para 40 km/h; engatada a terceira, ele apenas consegui manter a velocidade.
- Em trechos assim, o melhor é usar gasolina para não atrapalhar o tráfego. É só virar o botão e fechar a entrada do gás que o motor volta a funcionar instantaneamente a gasolina - explicou Bráulio.
Mas não podíamos usar gasolina para não prejudicar a avaliação do consumo do motor a gasogênio, e o jeito foi continuar subindo a serra devagar, mais rápido um pouco apenas do que alguns caminhões que transportavam toneladas de carga.
Já tínhamos andado uma hora e 15 minutos quando o motor começou a falhar: havia acabado o carvão do gerador. A autonomia do gasogênio tinha sido de 64 km, com média de consumo de 4,27 km/kg de carvão. Portanto, a picape gasta mais carvão do que gasolinia (5,45 km/litro), mas evidentemente o carvão custa mais barato, embora seu preço varie. Se tivéssemos comprado o carvão em um supermercado de São Paulo, por Cr$ 40,00 o quilo, gastaríamos Cr$ 9.637,68 para rodar 1.000 km. A Cr$ 11,00, o preço médio de carvão no interior, o custo seria de Cr$ 2.576,09. E a Cr$ 4,00 o quilo, se comprado em grande quantidade numa carvoaria, o custo desse percurso seria de Cr$ 936,76. Com gasolina, por Cr$ 60,00 o litro, o custo seria de Cr$ 11.009,17.
Na pista de teste, comprovou-se que com gasogênio o motor rende menos, quando usado sem modificações na taxa de compressão: a C-10 movida a gasolina chegou à velocidade máxima de 128,430 km/h, com gasogênio, caiu para 95,240 km/h. Nas acelerações, a diferença foi maior: para chegar a 80 km/hm, partindo da imobilidade, demorou 39,82 segundos, contra 12,53 da picape movida a gasolina.
São 120 quilos a mais para afetar o equilíbrio
O gasogênio transforma, por combustão, a lenha ou carvão em gás pobre. Não um gás apenas, mas vários, como nitrogênio, hidrogênio, monóxido de carbono e metano, misturados em proporções variáveis.
Esse gás é obtido no próprio gerador do aparelho, onde é depositado e queimado o carvão. Para isso, o gerador deve estar carregado - são 15 kg de carvão no aparelho testado da Lorenzetti. Depois é só acender uma mecha de estopa ou algodão embebido em combustível líquido, e colocá-la sobre a chapa na parte inferior do gerador. Está dada a partida.
A mecha vai incendiar carvão, enquanto os furos na parte lateral inferior do gerador garantem a entrada de oxigênio, necessário para alimentar a chama. Cinco minutos depois, o carvão queima.
No próprio geradro há um recipiente que recebe a água colocada num reservatório acima da carroceria do veículo. O calor ferve a água, que se transforma em vapor e se mistura com o gás originário da queima do carvão. Aí já está formado o gás que passará a movimentar o motor.
No entanto, o gás que sai da mistura entre queima de carvão e água é muito sujo e prejudicial para o motor. Por isso tem que passar por vários filtros, até que chegue bem limpo ao motor.
O motor, quando funciona a gasogênio, passar a aspirar o gás por sucção. Mas o caminho do gás é complicado. Logo que sai do gerador, ele passa pelo primeiro filtro, uma serpentina, que retém impurezas maiores. O funcionamento desse filtro é simples: o gás vem do gerador e toca a parte superior da serpentina. Com o choque, as partículas mais pesadas (fuligens do carvão) ficam depositadas na parte inferior (onde se encontra o cinzeiro), e o gás volta a subir em direção do motor.
Por meio de um tubo de condução, o gás encontra outro obstáculo: um filtro com água emulsionada com óleo solúvel. Esse filtro maior, do mesmo tamanho do gerador, retém outras impurezas, pois o gás é obrigado a atravessar a água, fazendo-a borbulhar, e passar entre tubos de palhas de aço.
Dois filtros de sisal vêm a seguir no caminho do gás. O primeiro elimina o alcatrão do carvão, enquanto o segundo tira o excesso de umidade. Já no compartimento do motor, o gás enfrenta o último osbtáculo; um pequeno filtro de sisal em banho de óleo 20-50. É nesse filtro que o gás se mistura com o ar, cuja entrada o motorista controla, e vai para o carburador.
Segundo os fabricantes de gasogênio, um motor movido com esse combustível é menos poluente que o a gasolina ou a álcool. Não cheira mal, não faz fumaça e nem suja o veículo. A DEAM (Diretoria de Engenharia do Ar e Ação Metropolitana da Cetesb) não fez, até o momento, nenhum estudo de poluição do motor a gasogênio em veículo. Mas, apesar disso, essa acha que o gasogênio não é poluente quando o veículo está em movimento, pois o motor consome todo o gás formado no gerador. A preocupação maior é quando o veículo está parado e com o carvão aceso no gerador, porque então os gases podem contaminar o ar.
- Mas como o veículo a gasogênio dificilmente será bem sucedido nos grandes centros urbanos, não há o que temer. Será mais usado em zonas rurais, onde não há riscos de poluição do ar. Apenas nos preocuparíamos se o gasogênio fosse usado em mais de 2.000.000 de veículos - diz um dos engenheiros desse departamento da Cetesb.










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