Ford T
Considerado
o carro do século XX, o Ford T veio definitivamente para ficar na História do
automóvel e da mobilidade. Mais importante do que estas menções que nos remetem
para os dias de hoje, foi o papel que este carro desempenhou numa altura em que
os transportes eram ainda escassos e a maioria das pessoas ainda se deslocava
em carros de tracção animal. Ao aplicar o conceito de linha de montagem a um
veículo, Henry Ford soube optimizar os poucos recursos que a marca
norte-americana tinha em meados do século XX e desde então a Ford passou a ser
considerada uma marca de referência a nível mundial, depois de ter conseguido
que o seu carro chegasse tanto a ricos, como aos menos afortunados. Henry Ford
era na altura uma espécie de apaziguador de classes, pode-se dizer assim, já
que tanto o operário mais simplório, como o mais afortunado burguês podia
conduzir um veículo com características muito próximas. E a prova de que a
produção em série deu os seus frutos, é que a maioria dos fabricantes dedicados
à construção de automóveis passou a adaptar este tipo de fabrico de forma a
sobreviver no então complicado universo motorizado. Mas escrever sobre um carro
que teve um efeito tão acentuado sobre a população americana e de uma forma
geral, sobre toda a população mundial, não é tarefa fácil. Afinal foram 15
milhões de unidades do Ford T, todas elas construídas entre 1908 e 1927. Muito
se escreveu e disse na passagem do século sobre o sucessor do modelo N da casa
americana, inclusive nas revistas e jornais portugueses da especialidade que
não deixaram de realizar uma atribuição simbólica de um título a que certamente
Henry Ford não seria indiferente. Mas isso é o que certamente menos importa. O
certo é que ainda hoje, muitos adeptos da História automóvel têm no Ford T o
seu automóvel de eleição pelas mais variadas razões. Portugal não é excepção e
felizmente não é assim tão raro ver nos eventos nacionais várias versões do
modelo T. Uma das razões a que certamente leva bastantes adeptos das várias
versões do Ford T a apostarem as suas economias neste modelo é sem sombra de
dúvida o carisma e a importância histórica que o T assume não só no papel da
marca, como inclusive do próprio automóvel. Mas é natural que estas qualidades
tivessem pouca ou nenhuma importância se a qualidade de construção destes
veículos não fosse eficaz, ao ponto de muitos órgãos mecânicos e componentes da
carroçaria não durassem qualquer coisa como 100 anos. Por acaso o leitor ainda
se lembra, por exemplo, como estava o estado da carroçaria do seu Citroën Visa,
ou Fiat 127, quando o mandou para o abate? Ah, pois é….
Como se
conduz
Nestes
artigos de automóveis é suposto o jornalista em questão conduzir o carro em
análise. Pois é, mas desta vez não o fizemos. E de forma propositada e
ajuizada, diga-se de passagem. Conduzir um Ford T pode parecer à primeira vista
uma banal operação para quem anda metido nestas coisas de automóveis antigos.
Bem, mas a verdade é que apesar do condutor contar com três pedais e um
volante, esta está longe de ser uma viagem na sua tradicional acepção de
passeio. Pelo menos no início. Mas vamos por partes. Primeiro, para ficarmos a
saber alguma coisa diferente do que estamos habituados a ler nos press releases
da marca da oval azul e nos livros de carros antigos, entrámos em contacto com
Manuel Rodrigues Costa. Ele e a sua esposa, são uns dos proprietários de Ford T
em Portugal. E se o seu carro foi construído em 1913, nem por isso, nos
afastamos do ideal base deste artigo que é dar a conhecer algo mais sobre o
carisma do Ford T e deixar um pouco de lado a sua extensa e conhecida história.
Do lado de fora, a estrutura da carroçaria do Ford T, leva-nos depressa
para o início do século passado, em que as estruturas eram alteradas ao gosto
de cada cliente. Esta não era contudo a orientação base de Henry Ford, isto
apesar das várias opções em termos de estrutura. Os registos da casa
norte-americana referem que a fábrica produziu as versões Touring, Sedan,
Coupe, Roadster, Town Car, e Delivery Car durante os 19 anos em que o carro
esteve em produção. A entrada do condutor é feita do lado direito da viatura,
já que este é um carro que possui uma carroçaria denominada de Rigid Body
Touring. Do lado do condutor não existe porta de acesso, possivelmente por
razões de segurança. No entanto, estranhamente, os passageiros têm acesso ao
amplo compartimento interior pelas duas portas de trás e a única da frente. E
quando se olha para o volante, depressa se pode aperceber que por detrás deste
enorme disco se situam duas patilhas. Uma reporta ao avanço e atraso do motor,
enquanto que a alavanca do lado direito refere-se ao acelerador. Mas este não é
o único modo de acelerar a rotação do bloco de quatro cilindros com 2.895cc. O
acelerador de pé, situa-se do lado esquerdo e com esse pedal, o condutor
controla a 1ª e 2ª marcha. O pedal do meio destina-se à marcha-atrás, enquanto
o pedal mais à direita trabalha como travão. Confuso? Só num primeiro contacto,
quando se tem que pensar onde colocar os pés de modo a não acontecer nenhum
imprevisto. Mas há mais para o confundir. É que o travão de mão, alojado à
esquerda do condutor, funciona a três posições. Colocado a manete toda para
trás, ou seja, puxa-la em direcção ao condutor, o carro fica travado. Fácil,
não é? No entanto, a meio, encontra-se uma posição que tem como intenção
destravar o Ford T. E por fim, quando se empurra a alavanca completamente para
a frente, o pedal do acelerador funciona em sintonia com a alavanca. Lógico que
verificamos isto tudo com o carro parado e depois em funcionamento.
A bíblia dos
T
Confesso que
escrever sobre o Ford T era algo que não me fascinava muito a inicio. Um carro
do início do século, os chamados rodas de pau, geralmente apenas conseguem
arrancar um sorriso da cara de quem o vê passar. Mas estas coisas velhas também
têm outro charme, dai ter andado à procura de coisas diferentes para contar aos
nossos leitores. E a solução foi mesmo aceitar a proposta do proprietário do
“nosso” Ford T. Possuidor do livro “Model T Ford – The Car That Changed The
World”, escrito por Bruce W. McCalley em 1994, esta é uma verdadeira bíblia
(muito mais do que uma enciclopédia) quanto ao carro da Ford, daí ter ido
“beber” alguma (ok,ok…bastante, eu confesso) a esta obra fundamental a quem
quer saber tudo sobre o Ford T. Sabia por exemplo que a própria Ford
possui um registo de praticamente todos as unidades do Ford T construídas? É
verdade, e isso é bastante útil para saber, por exemplo, em que dia foi
construído o exemplar que possui ou pretende adquirir e verificar se o carro
que encontrou está de origem ou não. Tomemos o caso do carro com o chassis nº
263789, o exemplar propriedade de Manuel Costa. Construído em 1913, o carro
apresentado foi concluído a 6 de Maio, num dia em que outras 650 unidades
saíram da unidade de Highland Park. Para 1913, a Ford tinha em catálogo três
propostas no que toca a carroçarias: as versões Touring, Runabout e Town Car,
sendo esta decisão outra medida tomada para reduzir os custos de produção e
assim chegar a todas as camadas de população. Todas estas carroçarias eram
produzidas em empresas exteriores à casa da oval azul e apesar das carroçarias
serem construídas com o claro intuito de serem padronizadas, a verdade é que
entre as versões, havia pequenos detalhes que as distinguiam. Naturalmente que
nos vamos debruçar sobre a proposta Touring, não só por ser a versão que
encontrámos, como também foi de longe a mais vendida até então. Em termos de
cores disponíveis, a fábrica propunha um azul bastante carregado, com os
guarda-lamas a apresentarem-se tanto na mesma tonalidade, como no preto. Mais
tarde, a Ford adoptou o preto como cor standard. Além do mais, o ano de 1913
foi especialmente importante na concepção do modelo T, isto porque a Ford
apresentou algumas melhorias, face às unidades construídas desde 1908. Uma
delas era a carroçaria que era agora mais simples, logo mais barata de
produzir, que as anteriores. Mas também a nível de interiores a versão de 1913
contrastava com as outras. O painel de instrumentos era agora mais pequeno, por
exemplo. Mas também a imagem da própria Ford começou a ser evidenciada em 1913,
daí que a designação “Made in USA” tenha começado a surgir aos poucos no Ford T
neste período. No entanto, existem ainda modelos, produzidos no início de 1913
que ostentam a nomenclatura de Dogde Brothers, já que estes eram o principal
fornecedor de carroçarias e peças da Ford. Porém, quando a Dodge começou a
planear o seu próprio automóvel, abandonou o fornecimento de material à Ford.
Outro facto curioso é que Henry Ford era nesta altura um nome pouco conhecido
fora de Detroit. No entanto, em Janeiro de 1914 a Ford Motor Company anunciou
que iria pagar 5 dólares por dia e reduzir a carga horária de nove para horas
diárias a quem se alistasse para trabalhar na sua fábrica. Por isso já sabe.
Quando se cruzar com um Ford T lembre-se que um dia ele foi um carro destinado
às massas.
Características
técnicas
Ford T
Versão:
Rigid Body Touring
Capacidade:
2.895cc; quarto cilindros
Combustível:
gasolina
Pneumáticos
Frente –
30×3
Trás – 30×3
½
Distância
entre eixos: 2,52 metros
1920 |
1923 |
1924 |
1927 |
1928 |
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