As primeiras corridas de automóveis em Portugal
Um
dos primeiros capítulos da História do desporto de automóveis em
Portugal, encerra curiosas situações que envolvem algumas figuras
históricas bem conhecidas, monárquicos e republicanos, que ao tempo se
destacaram como os entusiastas daquelas «estranhas máquinas», como foram
os casos do infante D. Afonso, o seu irmão, rei D. Carlos, e Egas
Moniz, que mais tarde viria a celebrizar-se como Prémio Nobel da
Medicina. A cerca de um século de distância, vale a pena apreciar o modo
como essas primeiras aventuras desportivas ocorreram, as situações que
hoje nos podem parecer ridículas ou caricatas, mas que no início do
século eram vistas como feitos admiráveis. Já havíamos referido num
outro artigo deste blogue, nesta mesma categoria de “Automóveis na
História” que a entrada do primeiro automóvel em Portugal data do dia 14
de Outubro de 1895, um “Panhard et Levassor” adquirido pelo conde de
Avilez. Convém acrescentar que em 1900 foram importados mais 13
automóveis e no ano seguinte importaram-se 20. Em 1902 foram importados
51 automóveis! É em Agosto deste ano que se realiza a primeira prova de
velocidade em Portugal em circuito, no hipódromo de Belém. O vencedor
foi o norte-americano Abbot, aos comandos de um Locomobile, movido a
vapor.
Vejamos algumas notas curiosas a respeito da realidade que acabamos de comentar:
PORQUE O FIAT DO INFANTE D. AFONSO CHEGOU EM SEGUNDO MAS FICOU EM PRIMEIRO?...
[…]
…Porque era... O Arreda, o irmão do rei!
Amante de carros e velocidades era
Afonso, o irmão mais novo de D. Carlos. Bombeiro voluntário e... maçon –
corria pelas ruas da cidade aos gritos: «Arreda, Arreda!», para que lhe
saíssem da frente. Isso valeu-lhe o cognome: O Arreda.
[…]A primeira corrida foi em
Agosto de 1902, no hipódromo de Belém, organizada por ele, por D.
Afonso. Ao despique, um Locomobile conduzido pelo americano Abott, um
Panhard et Levassor conduzido pelo francês Beauvalet e um Darracq
conduzido por Alfredo Vieira. Dez voltas, três objectos de arte em
disputa e vitória de Abbot – «com um avanço de quase duas voltas sobre
os outros dois concorrentes».
10 mil réis para fazer Figueira-Lisboa
A 27 de Outubro, a primeira
prova de estrada: Figueira da Foz-Lisboa. Estava marcada para um
domingo, teve de ser a um sábado, O Século explicou porquê: «Seria
difícil policiar as estradas e as vilas do percurso por domingo ser dia
em que há mercado em muitas das povoações que os automóveis têm de
atravessar - e com isso se poder causar algum tumulto, confusões». Coube
a Zeferino Cândido, director de A Época a ideia de fundar um clube de
automobilistas. Anselmo de Sousa, Álvaro de Lacerda, Carlos Calixto,
Júlio de Oliveira, Eduardo Noronha e Henrique Anachoreta – juntaram-se
no desejo e numa reunião na redacção do seu jornal saltou a ideia de
organizar uma grande prova de motos e automóveis que marcasse o seu
ponto de partida. As taxas de inscrição eram de 10.000 réis para os
automóveis e 5.000 reis para as motos e os concorrentes que partiram do
largo fronteiro à sede do Ginásio Clube Figueirense não podiam
atravessar lugares povoados a mais de 10 quilómetros à hora. 14 foram os
«chauffeurs» inscritos: Benedito Ferreirinha (Bólide), H. S. Abbot
(Locomobile), S. Camargo (Locomobile), Eugénio de Aguiar (moto Werner),
A. Martins (Clement), Giuseppe Bordino (Fiat), António Paula de Oliveira
(moto Buchet), Francisco Martinho (Richard), Baptista (moto Heresta),
Afonso de Barros (Darracq), Trigueiros de Martel (moto Werner), Dr.
Tavares de Melo (Darracq), José Bento Pessoa, o recordista mundial de
ciclismo (moto Werner), e o francês Edmond (Darracq).
Sem o conduzir, um dos carros
era de Egas Moniz, futuro Prémio Nobel da Medicina – e já então
militante republicano. Inicialmente, foi a prova marcada para o Domingo,
26 de Outubro, mas passou para Segunda-feira, dia 27. O Século explicou
porquê: «Seria difícil policiar as estradas e as vilas do percurso por
domingo ser dia em que há mercado em muitas das povoações que os
automóveis têm de atravessar - e com isso se poder causar algum tumulto,
confusões». A primeira ideia era que a meta fosse em Cascais –
largou-se porque alguém avisou: «em virtude das diversas passagens de
nível existentes entre Lisboa e aquela vila pode haver complicações». O
abastecimento de combustível foi assegurado pela Colonial Oil Company,
antecessora da actual Móbil Oil Portuguesa.
«Apenas alguns cães mortos»...
Vários foram os pilotos
profissionais chamados a comando de viaturas – a troco de muito
dinheiro. Um deles, o francês Edmond, considerado um dos melhores do
Mundo. Foi o primeiro a chegar, destacadíssimo, à meta, colocada junto à
Igreja do Campo Grande – ao cabo de 12 horas, 24 minutos e 5 segundos.
Quando o relógio marcava 13 horas, 29 minutos e 25 segundos apareceu o
Giuseppe Bordino aos comandos do Fiat do Infante D. Afonso. Como Edmond
adormeceu no comboio não chegou a tempo à Figueira. Tavares de Mello,
que o contratara, assumiu o comando do seu Darracq de 9 cavalos, até
Coimbra o levou – e lá lho entregou. Por não ter feito o percurso total
foi desclassificado, passou o triunfo para Bordino. Meia hora depois
dele surgiu o Darracq de Afonso de Barros, e, logo de seguida, a moto
Buchet de António Paula de Oliveira. Os restantes concorrentes ou não
completaram a prova - ou alcançaram o Campo Grande já depois de expirado
o prazo de 10 horas, previsto como máximo. E no Relatório Oficial da
prova, Carlos Calixto escreveu: «Quanto a acidentes, apenas alguns cães
mortos e um ou dois abalroamentos sem importância».
Alguns meses mais tarde um outro grupo, liderado pelo conselheiro Carlos Roma du Bocage fez menção de fundar também clube de automobilistas. Juntaram-se aos organizadores da corrida da Figueira da Foz-Lisboa e em 15 de Abril de 1903, na Sociedade de Geografia, sob a presidência do conselheiro Carlos Roma du Bocage, secretariado por Carlos Calixto e João Craveiro Lopes de Oliveira, foi aprovado o projecto dos Estatutos do Real Automóvel Club de Portugal. A presidir à Assembleia Geral ficou o Infante D. Afonso e à Direcção o conselheiro Carlos Roma du Bocage.
Quilómetros - a mais de... 82 km/h!
Rampas, gincanas, raides e excursões
ganharam fôlego, entretanto. Em 1905, Francisco Martinho, numa
Voiturette Populaire da De Dion Bouton, estabeleceu o recorde
Paris-Lisboa: 2117 quilómetros em 62 horas e 15 minutos. E D. António
Praia e Augusto Bruges ligaram Lisboa a Constantinopla num De Dion
Bouton, percorreram cerca de 38 mil quilómetros, entre Setembro e Abril
de 1906. Nesse ano, a 18 de Março, fez-se no Cartaxo a primeira corrida
nacional de velocidade: um quilómetro lançado - ligando a Valada do
Ribatejo à Ponte do Reguengo. Com a família real a assistir – 43
segundos para José de Aguiar num Fiat, à media de 82,568 km/h.
Esse era o tempo em que por cá,
quem andasse em viagem ainda tinha de levar reservas de combustível,
para reabastecimentos havia apenas carro-tanque que cruzava o país,
puxado por quatro mulas. Um Peugeot de 8 cavalos custava 2400 mil réis,
mais ou menos 100 anos de salários de um trabalhador não qualificado. Na
sua garagem, D. Carlos tinha sete...
Por António Simões,
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