Vai-se com ela a todo o lado


            


Gira entre o trânsito como nenhuma outra, apesar de larga e bojuda. Charmosa e com estilo, a Vespa será sempre um símbolo de Itália, da juventude e da liberdade



Não é prego a fundo mas é ágil e rápida, apesar de mais pesada do que as atuais scooters, todas, sem exceção, influenciadas pelo seu design e pelas suas qualidades. A Vespa, inventada no pós-II Guerra Mundial, é o veículo motorizado mais famoso da Europa e sem dúvida até hoje o símbolo da Itália do dolce far niente.
Sentamo-nos ao volante e colocamos os pés no “chão da moto”, metemos a primeira, aceleramos com a mão direita e lá vamos nós. É preciso calcular as curvas, a Vespa não se deita como as motos de corrida ou as grandes todo o terreno. Larga, robusta, bojuda, mas pequena, fica-se pela capacidade de girar entre o trânsito. E não é pouco. Se não porque haveria tantas scooters de materiais mais leves e de tamanhos variados? A versatilidade foi a chave do negócio à nascença e é a chave do sucesso hoje. Mas não só.
Sempre charmosa. A sua imagem cola-se ao cinema e corre mundo. É numa Vespa que, em 1953, Audrey Hepburn se passeia pelas ruas da capital italiana abraçada a Gregory Peck no famoso “Férias em Roma”, de William Wyler . Mas foi três anos antes que a primeira scooter apareceu no grande ecrã “ao lado de” Marcello Mastroianni em “Verão em Agosto”, de Luciano Emmer. Protagonista de mil e um filmes, salta à vista em obras de Nani Moretti, Sidney Pollack ou Charles Shyer, e foi companheira de viagens de nomes como Raquel Welch, Ursula Andress, Geraldine Chaplin, Joan Collins, Jayne Mansfield, Milla Jovovich, John Wayne, Henry Fonda, Gary Cooper, Anthony Perkins, Jean-Paul Belmondo, Matt Damon, Gérard Depardieu, Jude Law ou Nicole Kidman, só para citar mesmo alguns nomes.

              

Quantas cenas diferentes conseguimos visualizar? A pequena lambreta, o ecrã a preto e branco ou com as cores lavadas dos anos 60 e 70, o galã bem vestido, ou a desempenhar o papel do enfant-terrible, a rapariga de olhar apaixonado, sonho no sorriso e cabelo a esvoaçar. Ou então, o pequeno funcionário da máfia a deslizar por entre os carros, o Coliseu por detrás, e o bar da esquina à sua espera para uma partida de bilhar. Tanto faz. Pelo meio até há gelados, sorvetes de frutas, lenços na cabeça, cigarros ao canto da boca. São imagens que retemos de memória ou que fazem parte das memórias que guardamos de uma adolescência frenética, onde todo esse charme só faz sentido se aninhado no corrupio dos liceus. É a idade da primeira moto, a idade da carta de condução de motociclos, essa a dos 16 anos. Quando não há medos. Nem da velocidade, nem da queda, nem da vertigem, nem da adrenalina. É a altura de querer ser grande muito depressa, de saber e de ver o mundo com urgência. A scooter faz parte desse universo. É ela que oferece a liberdade de que se precisa para crescer. Essa juventude “rebelde” que por estes dias zarpa para a praia de mochila e pendura às costas.
E a Vespa é, de facto, também sinónimo de liberdade. Voa-se, mergulha-se, corre-se ao volante da moto. Ela que não discrimina ninguém, que não tem sexo, nem idade também, não tem classe social, nem tem status profissional. É para todos. Sim a Vespa ou lambreta ou scooter, como lhe queiram chamar, faz apelo a todos os sentidos e parte para qualquer lado sem precisar de pedir autorização. Leva os putos e as miúdas, os professores e as professoras, os médicos, os advogados, as desportistas, as produtoras...
A história real da Vespa, não a ficcional, começa no ano de 1946, desenhada e construída pela Piaggio. Daí até aos dias de hoje tem vindo a ser produzida em larga escala. Nasceu na época certa e com as características que se impunham: simplicidade, robustez, elegância e, mais do que tudo, baixo custo. A Itália, como grande parte dos países europeus, encontrava-se reduzida a escombros. A II Guerra Mundial arrasara cidades inteiras, edifícios emblemáticos, vias rodoviárias. A economia, também deitada abaixo, não via como se levantar e a crise instala-se. Era preciso reconstruir um país inteiro e reerguer as principais infraestruturas.
A Piaggio, empresa de aeronáutica fundada em 1884 por Reinaldo Piaggio, não se deixa intimidar pela conjuntura e resolve mudar de ramo dentro do âmbito dos transportes, e cria a moto que viria a permitir às populações italianas voltarem a sair de casa sem ser a pé. Foi Enrico Piaggio, o filho do fundador, quem teve a ideia e a concretizou não tendo nunca imaginado que aquela sua criação motorizada viria a ser amada por milhões de pessoas em todo o mundo num curto espaço de tempo, muito menos que as cópias da sua scooter seriam rainhas da moda nos transportes ainda tantos anos depois da sua invenção.
A Piaggio tinha conseguido suprir a necessidade de locomoção básica dos italianos e chegava ao resto da Europa com grande facilidade, expandindo o negócio da família que, também ele, no final da Grande Guerra tinha desaparecido. Mas não foi fácil criar a moto que David Bowie conduz no vídeo de ‘Absolute Beginners’. O primeiro protótipo da lambreta foi apresentado em 1945. Chamava-se MP5, tendo ficado mais tarde conhecido como paperino. Mas não foi aprovado. Faltavam-lhe uma boa transmissão, embraiagem e pneus a condizer. Foi o modelo seguinte que vingou, chegando às lojas em abril do ano seguinte.
Encantado com o trabalho do famoso engenheiro aeronáutico Corradino D’Ascanio — um dos grandes mestres da Força Aérea italiana na década de 20 —, Enrico, ao ouvir o som vibrante do motor da moto, terá exclamado: “Parece uma vespa”. A alcunha pegou e ficou registada até hoje como nome próprio. Tinha nascido em simultâneo o veículo utilitário que daria origem ao conceito que todos conhecemos como scooter. E, três anos mais tarde, a marca já tinha vendido mais de 35 mil unidades. O sucesso tinha sido imediato e absoluto.
Um fenómeno raro e muito difícil de igualar. Não esquecer que nesses três anos a lambreta passou a ser o meio de transporte preferido dos italianos e que em dez anos de produção saíram da fábrica mais de um milhão de exemplares, o que representava uma marca histórica no panorama do motociclismo mundial. E não, não foi apenas um fenómeno de moda, apesar de nunca ter deixado de ser um símbolo de estilo. O mundo hoje voltou a comprar as velhinhas modernas Vespas que nem pãezinhos e já lá vão 70 anos de scooters de todos os modelos e feitios.
Setenta anos tão diferentes daquele primeiro motor de dois cilindros que apresentava 98 cm3 e 3,5 cavalos de potência para atingir uma velocidade de 60 km/hora. Setenta anos de distância daquela primeira caixa de velocidades de três mudanças, e de um tanque de combustível de cinco litros para um consumo médio na ordem de um litro por cada 40 km...

Artigo publicado na edição do EXPRESSO  em junho 2016

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