Irmãos Wright: pioneiros do voo a motor ou embusteiros?

Quem realmente inventou o avião? A resposta a esta pergunta provavelmente jamais será inquestionável. Para qualquer cidadão brasileiro, quem inventou o avião foi Alberto Santos Dumont, e ponto final; para um cidadão norte-americano, no entanto, foram os irmãos Wilbur e Orville Wright. De qualquer forma, ainda existem outros candidatos a pioneiro do voo mecânico, como o francês Clément Ader, que teria voado em 1890 em um avião a vapor a poucos centímetros do chão e, inclusive, inventou o nome da máquina. Em geral, a maior parte do mundo aceita os irmãos Wright como inventores do avião. Todavia, pairam muitas dúvidas sobre a legitimidade dessa primazia.

Ninguém questiona os voos de Santos Dumont em 23 de outubro e 12 de novembro de 1906, pois os mesmos foram feitos em local público, com dezenas de testemunhas, presença de especialistas e amplamente documentados e noticiados na imprensa. Clément Ader pode ter perdido a primazia, perante os próprios franceses, devido ao fato de seu "Avión" ser considerado "segredo militar", e seus voos nunca terem sido devidamente homologados. Mas, e os voos dos Wright?

Wilbur e Orville Wright alegam ter voado em uma aeronave a motor, pela primeira vez, em 17 de dezembro de 1903, em Kill Devil Hills, quatro milhas ao sul de Kitty Hawk, Carolina do Norte. Kill Devil Hills é um grupo de colinas baixas arenosas, batidas por fortes ventos, bem próximas da praia.

Os irmãos Wright não eram da Carolina do Norte. Wilbur, o mais velho, nasceu em Millville, Indiana, e Orville em Dayton, Ohio. Ambos cresceram em Dayton, onde fundaram uma empresa especializada em manutenção, venda e fabricação de bicicletas, a Wright Cycle Company. Embora bem sucedidos nessa atividade, os irmãos se envolveram em estudos e experiências em máquinas voadoras. Antes da virada do século, projetaram um planador, o qual foi experimentado em voo no início do outono de 1900, em Kitty Hawk.

O inventor americano Octave Chanute, bastante experiente e bem sucedido na construção de planadores, teria sugerido Kitty Hawk aos Wright, devido aos fortes ventos e à areia macia, que poderia absorver os impactos de eventuais pousos bruscos.

Após ganharem uma certa experiência em voos planados, os irmãos resolveram evoluir, colocando um motor no planador, para criar uma máquina mais pesada que o ar capaz de se manter em voo por si mesma.

A primeira dificuldade foi encontrar um motor adequado. No início do Século XX, os motores disponíveis, além de terem baixa potência, eram desesperadoramente pesados, o que os tornava inadequados para uso em aeronaves. Depois de procurarem mundo afora, sem sucesso, os Wright se viram forçados a fabricar seu próprio motor.
O motor construído pelos Wright não pode ser considerado uma obra-prima de engenharia. Com quatro cilindros e 201 polegadas cúbicas (3,3 litros) de cilindrada, não conseguia desenvolver mais que 12 HP. O motor era resfriado a líquido e pesava, sem o líquido de refrigeração, 79 Kg. O motor acionava duas hélices através de correntes de bicicleta.

Os Wright adaptaram seu motor a um dos seus planadores, que recebeu o nome de Flyer I, o qual teria decolado de Kill Devil Hills em 17 de dezembro de 1903, pilotado por Orville Wright, contra um vento de proa de 20 MPH. Supostamente, teria sido o primeiro avião capaz de voar pelos seus próprios meios.
Mas aqui começam os problemas: o Flyer I tinha um peso vazio de 274 Kg, e era limitado a 338 Kg na decolagem. Isso dá uma relação peso-potência de meros 0,04 Hp/Kgf. Levando-se em consideração a enorme área alar de 47 metros quadrados, 3 vezes maior que a área alar de uma aeronave de treinamento Aero Boero, e o arrasto resultante disso, não é preciso ser engenheiro aeronáutico para se afirmar que tal motor, com seus 12 HP, era totalmente incapaz sequer de manter a aeronave em voo, e muito menos para fazer decolar a aeronave por seus próprios meios.

Não obstante, vamos considerar por hora que o motor fosse capaz de sustentar a aeronave. O voo, então, teria sido realizado. Quem testemunhou? É interessante notar que uma testemunha independente, o Sr. Alpheus Drinkwater, jamais foi arrolado pelos Wright como testemunha do suposto voo de dezembro de 1903. Drinkwater, que trabalhava em 1903 no posto telegráfico situado ao lado do campo onde os voos eram realizados, afirmou ao New York Times, em 16 de dezembro de 1951, que os voos realizados pelos irmãos Wright eram simples voos planados, e que somente em 1908, quando retornaram a Kitty Hawk, é que os inventores conseguiram realizar um voo a motor.

Os Wright comunicaram por telegrama, após o pretenso voo, o "sucesso" a seu pai, Milton Wright, para que o mesmo iniciasse o processo de patentear o aparelho.

Esse processo de patente foi bastante esclarecedor nessa questão: foi simplesmente recusado pelo U.S. Patent and Trademark Office, por falta de evidências concretas do real funcionamento da máquina. Somente em 22 de maio de 1906, o escritório de patentes concedeu a patente de uma "Máquina Voadora" (U.S. Patent 821393) para os Wright, embora tal patente se referisse claramente ao planador Wright de 1902, e não ao suposto avião Flyer I.

Ávidos por lucrar com seu invento, como é natural na cultura norte-americana, os Wright procuraram preservar de olhos alheios e invejosos sua máquina. E conseguiram isso por três longos anos, a despeito da perspicácia e reconhecida capacidade da imprensa dos Estados Unidos, ávidas de "furos" jornalísticos. Afinal, os Wright tinham sérios concorrentes dentro do seu próprio país, e o principal deles chamava-se Samuel Pierpont Langley.

Langley era um inventor muito competente. Seu aparelho, denominado Aerodrome, era configurado com asas em tandem, e equipado com um poderoso motor radial Manly-Balzer de 53 HP, quatro vezes mais potente que o motor dos Wright e com apenas 62 Kg de peso. Infelizmente, Langley e seu piloto, Charles M. Manly, falharam em realizar uma experiência satisfatória com a aeronave. As experiências de Langley e Manly, ao contrário das experiências dos Wright, foram públicas, e realizadas no Rio Potomac, próximo à cidade de Washington-DC (foto abaixo).
As últimas experiência de Langley e Manly foram realizadas em uma base de lançamento instalada em um barco no Rio Potomac, em 7 e 8 de outubro de 1903, financiadas pelo Departamento da Guerra dos Estados Unidos. Pode-se creditar, no entanto, o insucesso das experiências à falta de habilidade de Manly em pilotar a máquina, pois o mesmo pensava que poderia pilotar o Aerodrome sem qualquer experiência de voo anterior em planadores. De fato, o aviador Glenn Curtiss, após a morte de Langley, restaurou o o Aerodrome e o fez voar, com o motor original, em 1914, quando tentava "quebrar" a patente do voo dos irmãos Wright.

Sem conseguir a desejada patente de um avião a motor, os Wright tentaram vender seu invento ao Exército dos Estados Unidos. Os militares não ficaram convencidos com as alegações do dois irmãos, e exigiram uma demonstração da máquina voadora. A despeito dos relatos empolgantes das experiências de um voo circular de 1.244 metros em um minuto e meio, em 1904, e de um voo de 34,9 Km em pouco mais de 38 minutos, em 1905, os Wright somente conseguiram demonstrar o primeiro voo efetivo ao Exército dos EUA em 1908. Nessas experiências, houve um acidente que vitimou fatalmente um passageiro, o Tenente Thomas Etholen Selfridge, em 17 de setembro de 1908.

Vale dizer que as fotos dos voos alegados de 1904 e 1905, assim como os voos pretensamente pioneiros de 1903, foram todas tiradas pelos próprios Wright. Todos os artigos publicados sobre as experiências dos Wright nesse período foram publicados na imprensa não especializada e baseados somente em relatos e entrevistas dos próprios irmãos Wright. Nenhuma comissão científica de respeito ou especialistas jamais assistiu a uma dessas façanhas, e todas as pretensas testemunhas eram leigas no assunto.

A "guerra" de patentes que envolveu os Wright e Glenn Curtiss somente terminou com o envolvimento dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, em 1917, quando as patentes de ambos foram virtualmente "quebradas" para o bem do desenvolvimento da aviação militar americana, então muito atrasada em relação à aviação européia.

Após os bem documentados voos de Santos Dumont na França, os Wright foram à Europa demonstrar suas máquinas voadoras. Auxiliados pelo capitão francês Ferber, os Wright chegaram à França em meio ao descrédito total, mas conseguiram voar, cumprindo todos os requisitos científicos de comprovação, em 8 de agosto de 1908, perto de Le Mans, quase dois anos depois do primeiro voo de Santos Dumont e depois dos inventores Henry Farman e Louis Blériot realizarem seus voos nos anos anteriores.

A imprensa francesa foi claramente hostil aos Wright: em 10 de fevereiro de 1906, por exemplo, a edição parisiense do jornal Herald Tribune publicou um ácido artigo intitulado "Flyers ou Liars?" (Voadores ou mentirosos?), com chamada na primeira página.

Questionados no resto do mundo, nem em seu próprio país os Wright eram acreditados, inicialmente, como inventores do avião. De fato, a Smithsonian Institution resolver expor em seu museu o Aerodrome de Langley como "primeira máquina voadora a motor criada pelo homem", depois do voo realizado na aeronave por Glenn Curtiss, em 1914. Os Wright se recusaram então a doar o Flyer I restaurado para o Smithsonian (o mesmo tinha se acidentado após alguns pretensos voos), alegando "perversão na história das máquinas voadoras", e acabaram doando o Flyer I para o London Science Museum em 1928. Somente após a Segunda Guerra Mundial, em 1948, o Flyer I acabou exposto no atual National Air and Space Museum, em Washington, onde se encontra até hoje. A máquina exposta não pode ser considerada como "original", já que foi restaurada com várias modificações, e seu motor já não tem todas as peças originais, que hoje estão expostas em outros locais nos Estados Unidos.

A "reabilitação" dos Wright, nos Estados Unidos, na verdade fez parte de um extenso esforço do governo em resgatar a auto-estima dos americanos no período inicial da ideológica "Guerra Fria", na qual os valores da sociedade americana, o famoso "American Way of Life", estavam sendo duramente questionados por idéias de comunismo e igualdade social. Desse ponto de vista, pode-se afirmar, com toda certeza, que tal esforço foi muito bem sucedido.
Em 2003, o U.S. Centennial Of Flight Commission, para comemorar o pretenso primeiro voo dos irmãos Wright, patrocinou a criação da mais perfeita réplica até então criada do Flyer I, a partir do original exposto no Smithsonian e de outros dados existentes, já que os Wright alegam ter destruído os planos originais da aeronave. Tal iniciativa teve inclusive o patrocínio de grandes empresas, como a Microsoft, e a réplica foi criada por Ken Hyde, inclusive dispondo de uma réplica do grupo motopropulsor original.

Às 10 horas e 35 minutos da manhã de 17 de dezembro de 2003, em Kitty Hawk, o piloto Kevin Kochersberger tentou decolar com a aeronave, tentando reproduzir o "voo original" do Flyer I cem anos depois. O avião correu pelo trilho da catapulta e nem sequer esboçou um esforço de sustentação, caindo de lado na lama. A experiência nunca mais foi repetida e a mais perfeita réplica do Flyer I até hoje construída acabou em exposição estática no Henry Ford Museum, em Dearborn, Michigan. Talvez tenha merecido esse destino para não causar mais constrangimentos.

Mas como fica então a controvérsia do "primeiro voo a motor realizado pelo homem"? Pode enumerar essas inconsistências científicas, por exemplo:

- Ausência de registro de patentes, ainda que a mesma tenha sido solicitada ao departamento competente;
- Necessidade de auxílio para decolagem, com o uso de catapultas. Mesmo o voo do Flyer I com esse auxílio não pode ser comprovado;
- Incapacidade de realizar demonstrações públicas ou perante potenciais compradores, como o Exército;
- Falta de potência suficiente do motor;
- Necessidade de vento em alta velocidade para efetuar o voo;
- Ausência de publicação de artigos em jornais e revistas especializados;
- Ausência de testemunhas com credibilidade científica comprovada;
- Apresentação de pseudoprovas, que não satisfazem os critérios de avaliação científica dos pretensos feitos.

A bem da verdade, pode-se afirmar, seguramente, que os Wright realmente lograram êxito em voar em planadores a partir de 1900. Mas o fato de terem simplesmente transportado um motor a bordo, sem potência sequer para manter o voo da aeronave, sem qualquer auxílio externo, não os torna legítimos inventores do avião. Até mesmo o simples fato de terem levado um motor a bordo em 1903 é questionável.
Alberto Santos Dumont decolou do Campo de Bagatelle em 23 de outubro de 1906, utilizando unicamente a potência do motor para alçar voo, sem necessitar dos ventos absurdos de Kitty Hawk e de qualquer auxílio externo. Sem comprovação científica de qualquer feito anterior semelhante, cabe a ele o único e verdadeiro título de "Pai da Aviação". Os irmãos Wright só serão considerados inventores do avião enquanto os Estados Unidos forem a maior potência política e econômica mundial, mas todos os grande impérios do mundo acabaram um dia, e os Estados Unidos certamente não serão exceção.

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