O Renascer do Escaravelho do Deserto

Terminava o ano de 1922 e não havia internet, não se sabia o que era um sistema de navegação ou GPS, nem se ouvira falar do Google Maps (pudera, este só apareceria quase um século depois, em 2015), as cartas e mapas de navegação eram pouco ou nada detalhados, nomeadamente para um deserto, e as próprias mecânicas estavam no seu estado mais puro, entre peças e engrenagens quase em bruto, operando com lubrificantes básicos, não havendo electrónicas nem óleos ou combustíveis sintéticos! E – maravilhem-se as hostes!!! – as coisas faziam-se, mesmo as mais mirabolantes como a quase insignificante travessia do Deserto do Sahara, de norte para sul, cobrindo-se perto de 3.200 km.

O feito foi alcançado numa decerto louca e atribulada viagem de 21 dias (de 17 de Dezembro de 1922 a 7 de Janeiro do ano seguinte) por uma caravana de cinco viaturas, num misto de automóveis da época dotados de rodas à frente e de lagartas atrás, a que se apelidaram de autochenilles, com nomes perfeitamente adequados ao propósito:
·         Scarabée d'Or (Escaravelho de Ouro),
·         Croissant d'Argent (Crescente de Prata),
·         Tortue Volante (Tartaruga Voadora),
·         Bœuf Apis (Touro Apis) e
·         Chenille Rampante (Lagarta Galopante).

Em quase tudo idênticos, estes Citroën B2 (modelo K1) com apenas 10 cv de potência foram construídos propositadamente para o efeito e com um objectivo simultaneamente militar – a 1ª Grande Guerra ainda estava fresca na memória de todos e África era de enorme importância estratégica –, geográfico, pois nunca tal se tinha feito neste contexto, e industrial, servindo de promoção da imagem da marca francesa e referencial na indústria automóvel como um todo.

A ideia de tão (supostamente) impensável travessia foi de André Citroën que, acreditando na qualidade e fiabilidade dos seus produtos, reuniu em seu redor um conjunto de 10 pessoas – incluindo militares e um geógrafo – lideradas por Georges-Marie Haardt e Louis Audoin-Dubreuil, propondo-se fazê-lo em apenas 20 dias! Falhou o objectivo por um dia mas ninguém questionou pois a abrangência do feito alcançado, numa altura em que o Mundo ainda lambia as suas feridas de guerra, era gigantesco.

Foram, então, cinco os Citroën autochenille que sairam de Touggourt (Argélia), equipados com lagartas Kégresse, tantos quanto os que alcançaram Timbuktu (Sudão), com pompa e circunstância, 21 dias depois! Completava-se, assim, a primeira travessia automóvel transaariana, no que resultou uma fantástica publicidade para a marca francesa, epopeia foi o prelúdio para as famosas "Croisières Citroën" - Noire (1924, em África), Jaune (1931, na Ásia) e Blanche (1934, no Alasca) - que se lhe seguiram.
Projecto “Escaravelho de Ouro, Um Desafio Para a Juventude”
Agora eis-nos em 2016 e numa realidade totalmente diversa da de há um século, permitindo-se – fruto das evoluções a todos os níveis, nomeadamente informáticos e de materiais – pensar em reconstruir um desses ícones.


É este o desafio que acaba de ser proposto a um grupo de estudantes franceses, universitários e de liceu reconstruir o Scarabée d’Or, o primeiro veículo da história a fazer a travessia do Saara, no âmbito do projecto pedagógico «Scarabée d’or, un défi pour la jeunesse» está a ser coordenado pela associação Des Voitures & des Hommes, em parceria com o Museu das Artes e Ofícios gaulês e pela própria Citroën Héritage.
Os universitários da Escola Nacional Superior das Artes e Ofícios têm como missão fazer um modelo do Escaravelho de Ouro original, que está exposto no Conservatório Citroën, desenhando os respectivos planos; os do Liceu dos Ofícios do Automóvel e do Transporte Castelo de Epluches ficarão encarregues da reconstrução da carroçaria e do motor. Deu-se, assim, início a um sonho de 3 anos dos apaixonados envolvidos neste projecto.

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