O IV Circuito Internacional de Lisboa

O IV Circuito Internacional de Lisboa
VI Grande Prémio de Portugal
9 de Junho de 1957


O Grande Prémio de Portugal de 1957, corrido em Monsanto e aberto a carros de Sport, foi a prova mais importante disputada em Portugal, nesse ano.
Recorde-se que o circuito de Monsanto,  teve início em 1953, alternando com a cidade do Porto a realização destes eventos máximos do automobilismo português.
O circuito lisboeta era traçado no parque florestal de Monsanto,  tinha um perímetro de 5.440 metros, sendo menos rápido que o circuito da Boavista, apesar de utilizar uma parte do traçado em betão da auto-estrada Caxias-Lisboa (actual A5 Cascais-Lisboa), na época vulgarmente denominada do "Estádio Nacional".
 
 
 
 

    Uma grande multidão acorreu ao circuito situado no Parque de Monsanto, ocupando todos os sítios disponíveis para assistir a um conjunto de provas de automóveis e motos.
 
 
Os participantes
 
Juan Manuel Fangio conduziu um Maserati 300s gerido pela Scuderia Madunina do Comendador Marcello Giambertone, que era ao mesmo tempo vice-presidente da Federação Italiana de organizações automobilísticas e manager do piloto argentino. Este Maserati (#3069) pertencia em 1956 à equipa de fábrica, tendo sido adquirido em 1957 por Giambertone para correr em inúmeras provas de Sport pelo mundo inteiro. Este carro era normalmente utilizado pelo italiano Luigi Piotti, que nesta prova surgia inscrito num Osca 1,5l. O Maserati 300s estava equipado com um motor 6 cilindros em linha e tinha uma potência de aproximadamente 280 cv.
Masten Gregory correu com um Ferrari 860 Monza, carro que era equipado com um motor de 4 cilindros em linha e 3.500 c.c., representando a evolução máxima deste motor que, recorde-se, nasceu com 2 litros de cilindrada.
O Conde De Changy correu com um Ferrari 290 MM (#0606M) que pertencia à Equipe Nationale Belge. Como curiosidade, 15 dias após o Grande Prémio de Portugal, este mesmo 290MM estaria à partida das 24 Horas de Le Mans com uma equipa formada pelo próprio Alain De Changy, acompanhado por Jacques Swaters, tendo desistido com problemas de motor ao início da noite.
De destacar também a presença de Godia Sales que alinhou com um Maserati 300 S, bem como o argentino Carlos Menditiguy em carro idêntico.
Phil Hill correu com um Ferrari 750 Monza, numa altura em que o piloto americano criava nome ao volante dos carros italianos, juntando-se à equipa oficial em 1958. O piloto espanhol, António Creus alinhava em carro idêntico.
O piloto inglês, Colin Murray inscreveu um Cooper T33 Jaguar de 3.500 c.c. (#UUG3).
Na classe até 2 litros, os pilotos François Picard e Franco Cortese alinhavam com os Ferrari 500 TRC equipados com o motor 4 cilindros de 2 litros de capacidade. Luigi Belluci alinhou com um Maserati 200 S.
A americana Isabel Haskell deveria alinhar com um Osca 1500 TN (#1183) no entanto, devido a impossibilidade física desta, seria o seu marido, o argentino Alessandro De Tomaso, conhecido sobretudo por ter fundado a marca com o seu nome, a guiar o automóvel. Esta dupla tinha vencido a classe nos 1000 Km de Buenos Aires, no início do ano.  O outro Osca 1500 TN (#1179) surgia inscrito, como já referido acima, por Luigi Piotti.  Refira-se que a maioria das equipas atrás referidas eram habituais participantes das provas do World Sports Car Championship, o que emprestava uma acrescida credibilidade à corrida portuguesa.
Todos os pilotos portugueses presentes nesta prova, Correia de Oliveira, José Manuel Simões, José Nogueira Pinto e Marinho de Lemos utilizavam os Porsche 550 Spyder de 1500cc, assim como o alemão Ernest Lautenschlager.
 
     Juan Manuel Fangio e Masten Gregory cumprimentam-se à chegada ao circuito de Monsanto.

     Fangio na box, juntamente com a sua mulher, antes do início da corrida.

    Fangio alinhou à partida com um Maserati 300S da Escuderia Madunina, que era gerida por Marcello Giambertone.

    Fangio no Maserati de Godia Sales

    No primeiro dia de treinos, Fangio deu breves voltas à pista no Maserati de Godia Sales, para tomar conhecimento do percurso. Estas fotos referem-se ao dia de sábado, no momento em que pára na sua box e pede para lhe mudarem de pneus. Logo de seguida bateria o "record" da pista: 2.16.95 à média de 143 Km/h.
 

    Masten Gregory dá as últimas indicações aos mecânicos antes de iniciar os treinos. O piloto americano é unanimemente considerado como dos mais rápidos da sua geração, embora tenha sido também subestimado. O ponto mais alto da sua longa carreira viria oito anos depois, quando triunfou nas 24 Horas de Le Mans, ao volante de um Ferrari 250 LM (#5893), cuja condução dividiu com Jochen Rindt.


Os treinos
 
Logo após os treinos se pôde verificar que existiam dois candidatos à vitória: Fangio e Gregory. Nos 1ºs treinos efectuados Fangio não pôde utilizar o seu Maserati, teve que se servir do 300s de Godia Sales. Logo que teve ao seu dispor o seu carro, Fangio obteve o melhor tempo dos treinos, 2.16.95  a uma média de 143 Km/h; Gregory seguia-o com 2.18.61, a 141,29 Km/h. Phil Hill e Godia Sales ficariam nas posições seguintes.
Entre os automóveis até 2 litros, o argentino De Tomaso, ao volante do Osca de 1,5 l, obteve o melhor tempo (2.30.63), na frente do Ferrari 500 TRC de François Picard (2.31.72).
Entre os pilotos portugueses, o melhor seria Correia de Oliveira (11º, 2.35.73), seguido por José Manuel Simões e José Arroyo Nogueira Pinto, todos eles, como já referimos, ao volante dos Porsche Spyder 1,5l.

 

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    Momento da largada para a corrida, podendo ver-se o Ferrari 750 Monza de Phil Hill em 1º lugar, logo seguido do 860 Monza de Masten Gregory. O Ferrari do futuro Campeão do Mundo de Fórmula 1 tinha um motor de 4 cilindros, 3 litros  e "apenas" 260 CV de potência para 775 Kg de peso, enquanto que o modelo de Gregory também possuía um motor  de 4 cilindros, mas com 3500cc e 280 CV.  O peso do 860 Monza de Gregory rondava os 850 kg. Para ficarmos com uma ideia das performances dos Sportscar da segunda metade dos anos 50, estes Ferrari conseguiam acelerar dos 0 aos 100 Km/h entre os 5.5 e os 6 segundos, ou seja, sensivelmente o mesmo que fazem os actuais Porsche Boxster S e Mercedes SLK 350.

   Numa das partes mais bonitas do traçado de Lisboa, vemos o Ferrari 750 Monza de António Creus, seguido pelos Porsche "Spyder" de Joaquim Correia de Oliveira e de José Manuel Simões.


 
A corrida
 
Foi num circuito apinhado de espectadores, que enchiam por completo o parque de Monsanto, que os 18 pilotos que alinharam à partida deram início ao grande prémio.
Logo após o sinal de partida dado pelo Dr. Mário Madeira, presidente do Automóvel Clube de Portugal, Phil Hill tomou a dianteira, seguido por Masten Gregory, embora este tenha passado o piloto do 750 Monza logo de seguida. Fangio surgia na terceira posição, numa toada cautelosa típica do piloto argentino.

No final da 1ª volta, a ordem era a seguinte: Gregory, Hill, Fangio, Godia e De Tomaso. José Manuel Simões é o melhor classificado, na 9ª posição da geral.
Ainda antes de concluída a 2ª volta, Fangio ultrapassa Phil Hill. Menditeguy, que partira na última fila, estava já colocado no 6º lugar.

   Fase da luta entre Gregory e Fangio. Momentos depois o argentino ultrapassaria o americano nas “Curvas do Moínho”.

Gregory manteve até à 9ª volta uma distância de cerca de 5 segundos em relação a Fangio, no entanto este conseguiria, à 10ª volta, na curva do moinho, ultrapassar o piloto americano, conseguindo a partir daqui consolidar a sua posição (apesar de Masten Gregory não ter deixado de pressionar o Maserati do argentino).

À 3ª volta, tinha desistido Nogueira Pinto por avaria mecânica. O espanhol António Creus seguiu-lhe o caminho à 9ª volta.
Phil Hill manteve o terceiro posto, sempre pressionado por Godia Sales, no entanto, à 21ª volta, o 750 Monza começou a ter problemas no 4 cilindros, que levariam o piloto americano à desistência duas voltas mais tarde. Godia Sales não teria melhor sorte, abandonando à 33ª volta.

    Alessandro De Tomaso (Osca 1500 TN)

De Tomaso, que tinha sido autor de uma prova fabulosa, ao volante do surpreendente Osca de 1,5l, teve que parar várias vezes na sua box, acabando por desistir à 26ª volta.
Sensivelmente a meio da prova, Masten Gregory teve um ligeiro despiste na curva da Pimenteira (também conhecida por “Curva do González”, por ter sido palco de um acidente deste piloto argentino, em 1953), o que o fez perder alguns segundos, passando o seu atraso para Fangio de cerca de 20 segundos para 40.

    José Manuel Simões com o Porsche 550 "Spyder". Os pequenos carros alemães possuíam um motor de 4 cilindros horizontais opostos de 1500cc, desenvolvendo cerca de 135 CV às 7200 RPM. A grande vantagem dos 550A RS era o baixo peso do conjunto (550 Kg) e o comportamento exemplar proporcionado pelo motor central. Outro detalhe importante eram as jantes utilizadas, muito mais rígidas do que as habituais Borani de raios utilizadas pela maioria dos concorrentes da época. Nas mãos de um bom piloto, um pequeno 550 era capaz de embaraçar adversários teoricamente muito mais competitivos.

    Joaquim Correia de Oliveira trocou o Olda (com que correra em 1956) por este Porsche 550 "Spyder" e foi o melhor representante português.

José Manuel Simões e Correia de Oliveira (ambos com Porsche 550 Spyder) lutam pela posição de melhor português até à desistência do primeiro, conseguindo Correia de Oliveira classificar-se como melhor representante nacional.

    Rui Marinho de Lemos com o Porsche 550 Spyder a caminho do 11º lugar da geral e 6º da classe. Este Porsche, matrícula HF-23-78, ainda correria neste local pelas mãos de Joaquim Filipe Nogueira, no circuito de Montes Claros de 1963 ! 

     Tendo ficado classificado no terceiro lugar do Circuito Internacional do Porto, em 1955, o alemão Ernst Lautenschlager trouxe de novo um Porsche 550 "Spyder" que levou até até ao 12º e último lugar da geral. Azarado neste circuito lisboeta, o piloto alemão era um grande aficionado das Mille Miglia, prova onde participou   por três vezes, em 1954, 55 e 56.

   Instante em que o Porsche "Spyder" de José Manuel Simões desiste e é ultrapassado pelo Maserati de Fangio.

    Um momento da prova com Fangio em 1º plano seguido por Menditeguy, ambos ao volante dos Maserati 300 S. 

      Conde Alain de Changy com o Ferrari 290MM

     Colin Murray com o Cooper Jaguar

     Luigi Belucci ficaria em segundo da classe até 2 litros, com este Maserati 200 S

       Masten Gregory, segundo classificado com o Ferrari 860 Monza.  O piloto texano Carrol Shelby descrevia o seu compatriota do Kansas como "tendo óculos tão grossos como fundos de garrafas de Coca Cola". Apesar de efectivamente ter alguns problemas de visão, Gregory era suficientemente bom para ser o "herói de juventude" de Jim Clark!
 
     Luigi Piotti com o Osca que levaria ao 10º posto da geral

     O piloto argentino Carlos Mediteguy foi outro dos utilizadores de um Maserati 300 S neste Grande Prémio de Portugal. Este piloto tinha começado o ano da melhor maneira, com um segundo lugar da geral nos 1000 km de Buenos Aires, primeira prova do Mundial de Sports Car de 1957. O piloto partilhou um Maserati 300S com Jean Behara e Stirling Moss. A prova foi ganha por... Masten Gregory, ao volante de um Ferrari 290MM, cuja condução dividiu com Eugenio Castelotti e Luigi Musso. Um dos grandes pilotos argentinos da época, Carlos Menditeguy tinha ganho a prova de Buenos Aires em 1956,  dividindo a condução de um 300S com Stirling Moss.

      Phill Hill, em bom estilo, com o Ferrari 750 Monza.  Com três vitórias nas 24 Horas de Le Mans, outras tantas nas 12 Horas de Sebring e vencedor do Campeonato do Mundo de Fórmula 1, o jovem Hill foi sem dúvida o melhor piloto americano da sua geração. Na actualidade, Phill Hill dedica-se a cuidar da sua colecção de 12 carros clássicos (entre os quais um Pierce Arrow de 1917 que foi sempre pertença da família) e a participar em eventos de clássicos, como convidado especial (e remunerado). Vive em Miami, com a sua mulher Alma, na mesma casa onde passou a infância.

    O piloto espanhol Francisco Godia-Sales viria a desistir com o Maserati 300 S, idêntico ao de Juan Manuel Fangio

     François Picard com o Ferrari 500 TR (#0706?). Logo após o Grande Prémio de Portugal, Picard deslocar-se-ia para Le Mans, onde 15 dias depois participaria nas famosas 24 Horas ( Ferrari 500 TRC, inscrito por Gérard Crombac e partilhado com o americano Ritchie Ginther). O piloto francês foi um participante regular de provas do Mundial de Marcas entre 1956 e 1961.
 
 
As últimas voltas da corrida foram palco de uma recuperação extraordinária de Gregory, passando de um atraso de 40 segundos à 36ª volta para 22 segundos à 53ª. É claro que à sua boa maneira, Juan Manuel Fangio controlava a distância para o piloto americano do Ferrari, doseando o seu andamento; no entanto, Gregory terminou a corrida a somente 16 segundos do Maserati do piloto argentino.
No final da prova, Masten Gregory foi efusivamente aplaudido pela assistência presente, e mesmo Fangio teve palavras de grande apreço pelo americano.
O piloto argentino bateu largamente o recorde do Circuito de Monsanto obtendo uma média final de 139,83 Km/h; a volta mais rápida da prova ficou pertença de Gregory na 55ª volta à média de 143,81 Km/h. Curiosamente, em 1959, no Grande Prémio de Portugal, nessa altura já disputado com monolugares de Fórmula 1, Masten Gregory conseguiria o melhor resultado da sua carreira, o 2º lugar ao volante de um Cooper-Climax atrás de Stirling Moss.
No final do Grande Prémio, o Ministro das Comunicações, general Manuel Gomes de Araújo, manifestou, em comunicado distribuído, o seu apreço ao Automóvel Club de Portugal pela forma como decorreu o IV Circuito Internacional de Lisboa. A bem da Nação.
 

     Collin Murray com o Cooper Jaguar na descida a caminho da curva da escola, uma das partes mais rápidas do traçado. Logo atrás o Ferrari de Antonio Creus e um dos Porsche 550

    Juan Manuel Fangio corta a linha de chegada como vencedor do VI Grande Prémio de Portugal no Maserati 300 S, um modelo que Stirling Moss definia como um dos mais bonitos, mais equilibrados e mais fáceis de guiar Sports Car jamais feito. Este modelo estava equipado com um motor de 3 litros proveniente do modelo 250F de Fórmula 1 e, na versão definitiva, desenvolvia cerca de 280 CV às 7000 RPM (permitindo acelerar dos 0 aos 100Km/h em cerca de 5 segundos). Embora a potência fosse inferior à dos Ferrari de 12 cilindros e do Aston Martin DBR1, a fiabilidade e agilidade do Maserati permitia-lhe alcançar alguns resultados de relevo. Este triunfo de um 300 S teve sabor de despedida, pois em 1957, a equipa oficial utilizava já o modelo 450 S, equipado com um motor V8 de 4,5 litros e 400 CV.  E, convém não esquecer, também utilizava Fangio, um piloto que a reportagem feita pela revista do ACP definia como um “hors-classe”...

   Juan Manuel Fangio com Masten Gregory e François Picard. No final da prova Fangio foi bastante elogioso em relação ás capacidades de condução de Masten Gregory.  Tendo começado a correr em 1952 (com um Allard), o simpático piloto norte-americano participou pela primeira vez numa corrida do  Campeonato Mundial de Marcas (com o mesmo Allard) nas 12 Horas de Sebring de 1953, ou seja, precisamente na primeira prova prova de sempre, desse mesmo campeonato. Desde então foi um participante assíduo, tendo alinhado em 51 corridas do Mundial até às 24 Horas de Le Mans de 1972 (Ferrari 365 GTB4), corrida que marcou a sua despedida de um campeonato onde triunfou por 3 vezes à geral. Participou também em inúmeros GP de F1, tendo como melhor resultado um segundo lugar no GP de Portugal de 1959. Sobrevivente de 7 graves acidentes em competição, o piloto de Kansas City viria a morrer em 1985, com 53 anos de idade, devido a um ataque cardíaco durante o sono.
 
 

    Foto da distribuição de prémios efectuada na sede do Automóvel Club de Portugal. Juan Manuel Fangio estava então no auge da sua carreira e era, de facto, uma grande vedeta internacional.

Comentários

  1. gabrielasoares12:10

    Boa noite,

    Gostaria muito de ver estas fotografias, mas já não se encontram disponiveis (ou pelo menos não as consigo ver). Se ainda as tiver, seria possível atualizar o site, ou enviá-las por email?

    Muito obrigada

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  2. Boa noite
    Ao solicitado lamento informar, que as mesmas sumiram (....)
    Cumprimentos

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  3. Anônimo14:13

    Boa noite,não há forma de vermos essas fotografias,obrigado. António Santos

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  4. António Santos14:15

    Eu tenho placas originais desse circuito

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