Avião bonito voa bem?

Poucos aviões comerciais anteriores a era dos jatos podem ser considerados tão bonitos quanto o Lockheed Constellation. O “Connie”, como era conhecido nos anos 1950/60, tinha uma fuselagem graciosa em forma de golfinho, empenagem tripla, quatro potentes motores a pistão Wright e pernas dos trens de pouso muito altas para manter as imensas pás das hélices reversíveis Curtiss Eletric longe do chão.



Construído pela empresa norte-americana Lockheed entre 1943 e 1958, chegou a ser usado na Segunda uerra como transporte de tropas, e ainda serviu como avião presidencial a Dwight D. Eisenhower, nos Estados Unidos. Dizem que o excêntrico milionário e aviador Howard Hughes palpitou no desenvolvimento do projeto do primeiro Constellation. A Trans World Airlines (TWA), de Hughes, foi a primeira operadora do avião – que já era pressurizado – na rota Nova York-Paris, a partir de Fevereiro de 1946. O Connie teve uma razoável vida útil – substituído finalmente por jatos como o Boeing 707. O último voo comercial com passageiros aconteceu em Maio de 1967, entre Filadélfia e Kansas City, nos EUA, pela TWA. Voaria ainda por mais alguns anos como cargueiro.


Na aviação, há um ditado que diz que “avião bonito voa bem”. Por esse critério, o Connie tinha tudo para ser um dos melhores aviões de todos os tempos (em matéria de design, acho que só perde para o supersônico europeu Concorde, que viria décadas depois). Mas não era bem assim. O complicado Constellation, com seus motores temperamentais, deu muito trabalho aos engenheiros de voo que trabalharam nele. Era comum que viagens terminassem com pelo menos um dos quatro motores parado. Ao ponto de o Connie ser considerado um ótimo “trimotor”.



Lenda? Maledicência da concorrência? Eu também acreditava nisso. Até o dia em que conheci um ex-piloto de Super Constellation da Varig, um senhorzinho de quase 90 anos, bastante lúcido, que me assegurou que as panes de motor eram de fato frequentes. Ele detestava o Connie. Dizia que foi um dos piores aviões que pilotou em sua longa carreira. Admito que este depoimento tão sincero, de alguém que conheceu o Constellation na intimidade, me decepcionou um pouco – mas nem por isso deixei de continuar achando o avião visualmente fabuloso.

O caso que melhor ilustra a fragilidade mecânica do Connie aconteceu com o Voo 850 da Varig, realizado pelo Lockheed L-1049 G Super Constellation de prefixo PP-VDA, que partiu de Porto Alegre, no Sul do Brasil, no dia 14 de Agosto de 1957. O destino do “Victor-Delta-Alfa” era o Aeroporto JFK, em Nova York, com escalas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Ciudad Trujilo (hoje Santo Domingo) e Miami. Na época, os aviões não tinham autonomia para longos percursos non stop.

Após a decolagem de Belém, o motor número 2 subitamente perdeu potência e teve de ser desligado. Com três motores, sem poder retornar a Belém por causa de uma forte neblina, o equipamento voou bem até Ciudad Trujilo, onde os passageiros foram transferidos para outros voos. Como era perfeitamente possível prosseguir viagem com os três propulsores remanescentes, a Varig autorizou os 11 tripulantes a seguirem em voo trimotor até Miami, onde o avião seria consertado.

Mas então o impensável aconteceu. Após 50 minutos de voo, a 3600 metros de altitude, sobre o oceano, a hélice do motor número 4 se soltou e atingiu em cheio o motor número 3. Mais dois motores perdidos. Com apenas o motor número 1 girando, o Victor-Delta-Alfa começou a perder altitude rapidamente e, antes que a tripulação pudesse alcançar algum aeródromo, o comandante Geraldo Werner Knippling (falecido em 2020) precisou realizar um pouso forçado no mar, próximo à costa de Cabarete, ao Norte da República Dominicana.

A amerissagem foi relativamente bem-sucedida, mas parte da cauda se rompeu no impacto com a água, levando consigo para o fundo do Atlântico um comissário – única vítima fatal do acidente. O avião afundou em minutos, mas os dez tripulantes restantes conseguiram chegar à costa em um bote inflável. Havia pescadores na praia. No entanto, ninguém se lançou ao mar para socorrer os exaustos sobreviventes. Quando o comandante Knippling reclamou da falta de ajuda, os nativos foram bem sinceros: disseram que ninguém entrou na água porque o mar estava repleto de tubarões.






POR:   IRINEU GUARNIER

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