Ford Transit



Lembro-me perfeitamente de ser criança e de adorar carrinhas, principalmente as versões de passageiros. Lembro-me, também, de ter uma Ford Transit da Majorette e de ser um dos meus carrinhos preferidos. No meio de muitas máquinas mais “potentes”, a Transit, tal como como as à escala 1:1 que percorriam e percorrem as estradas, era dos que mais me captava a atenção. Muitos quilómetros fez aquela carrinha no quintal de casa e nos muros da escola. Mas no meio de tantos modelos icónicos, tantos nomes incontornáveis da história do automóvel, acabamos sempre por relembrar ou celebrar automóveis desportivos, raros ou, por oposição, de grande sucesso comercial. Mas automóveis mais “normais”, raramente uma carrinha, um furgão de transporte de mercadorias ou passageiros. E a Transit é, sem dúvida, “A Carrinha”, pois conta já com 55 anos de história, tendo sido lançada no mercado em Outubro de 1965.

A primeira geração 1953 a 1965 (D) 1953 a 1961 Ford FK 1000 (Ford Köln) 1961 a 1965 Ford Taunus Transit .

O lançamento da nova Transit foi o melhor que podia ter acontecido a muitos pequenos negócios no Reino Unido. Isto porque foi a Transit, a substituta da Thames 400E, que acabou por explorar da melhor forma a regulamentação ali implementada para o transporte de mercadorias que obrigava qualquer interessado em abrir o seu negócio de transportes em requerer um licenciamento quase sempre negado porque, basicamente, quem decidia eram os empresários já estabelecidos. No entanto, essas “regras” só se aplicavam a veículos de peso superior a 3500 kg e a então nova Transit ficava bem aquém desse número. Para além disso, era rápida e consumia menos, pelo que os “grandes” começaram a temer as empresas que apostaram no novo comercial da Ford.

O projecto que viria a dar origem à Transit era designado internamente por Redcap e o seu principal objectivo era ser a carrinha que a anterior Thames 400E não conseguiu ser. A utilização de um eixo dianteiro rígido na Transit, por exemplo, foi vista como um retrocesso, mas a verdade é que a maior largura das vias, aliada à utilização de outros componentes partilhados com automóveis Ford, como a transmissão e os motores, faziam da Transit uma carrinha com comportamento de carro, para o melhor e para o pior. Porquê? Porque se, por um lado, um serviço de entregas podia levar mercadorias confortavelmente a 110 km/h nas modernas autoestradas que começavam a surgir, também os “negócios” menos honestos viram na nova Ford um enorme potencial.

No final da década de 1960 e no início da seguinte, sempre que uma Transit no Reino Unido era dada como roubada, as forças policiais já sabiam que iria surgir associada a um assalto ou outra actividade menos nobre. Em 1972, segundo consta, 95% dos assaltos a bancos envolveram uma Transit no plano de fuga. Os assaltantes referem ainda que a versão de maior distância entre eixos era mais discreta, pois a suspensão disfarçava melhor o peso da “equipa” escondida lá atrás. A solução das autoridades foi aderir ao formato, utilizando inúmeras Transit nas suas actividades e, a par de versões usadas como ambulância e veículos de emergência, chegaram inclusivamente a ter versões com motores 3.0 litros V6 no lugar dos habituais motores V4 partilhados com o Ford Consul ou o Diesel 1.6 litros de origem Perkins. Com este último, não houve, certamente, um único assalto bem sucedido.

 


Os anos foram passando, as actualizações surgindo, e as variantes da Transit foram-se acumulando, inclusivamente algumas bem especiais, inspiradas no mundo da competição, as míticas Supervan. A gama Transit de 2020 está, no entanto, muito diferente. Muito mais eficiente, obviamente, e no lugar no inconfundível barulho do seu motor Diesel, que ainda hoje distingo facilmente à distância, está, quando possível, o som do silêncio. Apenas possível porque a Tourneo Custom que conduzi é, na verdade, um moderno híbrido plug-in, com propulsão sempre elétrica, mas cuja bateria é também carregada por um pequeno motor 1.0 litros, três cilindros, o gerador de energia do sistema.

A verdade é que esta minha companheira de um fim-de-semana de confinamento, não diz Transit em lado nenhum, pois trata-se da versão de passageiros, mas é uma Transit, acreditem. Não assaltei nenhum banco, nem fugi à Polícia. Mas se o fizesse, os meus companheiros de crime viajariam em conforto, com ar condicionado, ligação Bluetooth, navegação para definir a rota de fuga, vidros fumados para esconder o saque e pelo menos durante os cerca de 40 quilómetros de autonomia eléctrica nem nos ouviriam a passar. Mas do silêncio para a falta dele: e no mundo da música? Quantas bandas, consagradas ou não, viajaram e carregaram todo o seu equipamento na traseira de uma Transit? Se são fãs de música como eu, em especial do excelente rock/pop que aquela ilha viu nascer nas décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990, então a Transit tem de ter, garantidamente, um lugar especial no vosso coração.

Mais do que um ensaio a um formato histórico – que me diz muito – aliado à mais recente tecnologia híbrida, o reconhecimento da importância da Transit, um modelo mítico que há muito ansiava conhecer. Começou por custar 540 libras em 1965, um valor bem distante dos quase 65 mil euros pedidos por esta recheada Tourneo Custom, mas o conceito Transit, embora adaptado a 2020, está igual ao que sempre foi desde as suas origens. E que bem ficava uma Transit original ao lado de um Ford Escort MK1 na minha garagem.











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