Os Herois
III Quilómetro de Arranque do Campo Grande
Na presença do Presidente da República, general Óscar Carmona,
disputou-se a 20 de Abril de 1930 a terceira edição do Quilómetro de
Arranque do Campo Grande, em Lisboa, prova que contou com a participação
de 45 concorrentes divididos por duas categorias, Corrida (14) e Sport
(31). Em paralelo realizou-se uma corrida de motos e, como
habitualmente, um Concurso de Elegância.
Jorge Ortigão Ramos, em Auburn, venceu em Sport e Henrique Lehrfeld (na
foto) venceu na categoria Corrida com o Bugatti Grand Prix 2 Litros
acabado de adquirir em França por uma pequena fortuna (160 mil francos).
Segundo a imprensa da época "apesar de entrar na meta com o motor a
falhar o grande corredor cumpriu 3/4 do percurso numa velocidade
verdadeiramente excepcional que lhe permitiu atingir a média de 104.681
km/h".
Registe-se a presença em prova na categoria Sport de uma senhora, D.
Dália Mendes Xavier, que conseguiu a respeitável média de 63,135 km/h.
Um dos Primeiros
Não é consensual a data que terá marcado o início do automobilismo no
nosso país em qualquer das suas vertentes: competição, turismo ou
concurso. Porém será razoavelmente seguro considerar que o Napier do
senhor Rugeroni Garcia, que aqui vemos a desfilar na Parada de Cascais
em 1909, terá sido um dos primeiros a tomar parte numa competição
(concurso, neste caso) automóvel em Portugal.
ALVIS Speed 20 SA - Procedimentos de arranque do motor
Aqui se dá conta do complexo procedimento de arranque do motor do Alvis
Speed 20 SA de 1932 que pelas mãos de José e Manuel Romão de Sousa
participou na edição 2016 do Flying Scotsman Rallye, prova de
resistência destinada em exclusivo a automóveis construídos antes da II
Guerra Mundial.
A fotografia do Alvis a atravessar um curso de água é da autoria de George Brown
A fotografia do Alvis a atravessar um curso de água é da autoria de George Brown
Os "Especiais" de Henrique Lehrfeld
Nascido em 1897 Henrique Lehrfeld viria a tornar-se num dos mais bem
sucedidos pilotos portugueses de automóveis na década de 30,
distinguindo-se especialmente ao volante de carros de corrida de marca
Bugatti. Porém, alguns dos automóveis que marcaram a sua vida privada
tiveram tanta ou mais relevância que aqueles que utilizou na sua
carreira desportiva. Aqui ficam dois exemplos:
- Em cima, o extraordinário carro de pedais de marca desconhecida em que
um muito jovem Henrique Lehrfeld já dava claros sinais daquilo que
queria fazer na vida. A fotografia será da primeira década do século XX.
- Em baixo, o casal Lehrfeld passeando por Lisboa no seu raríssimo
Gardner Roadster, um carro construído em St Louis, Estados Unidos, por
uma empresa com o mesmo nome que existiu apenas entre 1920 e 1931.
Note-se a chapa de matrícula com a inscrição "Experiência".
Desconhece-se o paradeiro destas duas preciosidades.
Com agradecimentos a Linda Raposo de Magalhães e família Lehrfeld.
Com agradecimentos a Linda Raposo de Magalhães e família Lehrfeld.
Escreve Robert Garner:
"Hi Jose,
Thanks for the picture, it is one I have not seen before. The car is a 1930 Model 150 Gardner Sport Roadster. Powered by the large Lycoming engine
299 CID and 126 HP. Gardner used two different roadsters for 1930; this is the later one, and
was built between Feb and July 1930."
Bob Gardner
Os Carros "portugueses" de Charles Howard
Charles Howard é hoje uma das maiores autoridades mundiais no difícil e
sofisticado mercado internacional de "clássicos". O livro An
AUTObiography (Piston Power Press Ltd, 2014) conta a sua história desde o
dia em que resolveu comprar uma modesta oficina / estação de serviço em
Londres , Coys of Kensington, para montar um negócio de compra e venda
de automóveis antigos que mais tarde viria a transformar-se na
importante empresa internacional de leilões que existe hoje com o mesmo
nome (COYS). Sempre atento ao mercado e às evoluções do mundo Charles
Howard encontrou nos "problemas" de Portugal no pós-25 de Abril uma
oportunidade de ouro para enriquecer a sua já então magnífica colecção.
Desde logo com a aquisição do extraordinário Hispano-Suiza H6C 8 Litre
Factory Competition Version que pertenceu a José Bandeira / Alves dos
Reis durante o louco ano de 1925, carro que aparece na capa e na
primeira página do livro, tal a sua importância. Mas não se ficariam por
aqui as "compras" de Charles Howard no nosso país durante um período em
que os portugueses pareciam apenas preocupados com o PREC e suas
consequências. Ora vejam.
À
esquerda a imagem do Hispano-Suiza de José Bandeira / Alves dos Reis
tal como foi encontrado em Portugal em 1976 que faz a capa do livro. Na
primeira página (à direita) aparece o mesmo carro já depois de
recuperado.
Este Mercedes-Benz Type 290 Stromlinien-Limousine de 1935 (em baixo) foi também encontrado em Portugal em meados da década de 70. Caracteriza-se por ter uma "barbatana" longitudinal que percorre toda a carroçaria, único exemplar deste modelo com este tipo de preocupação "aerodinâmica". O carro pertence hoje ao Museu Daimler-Benz de Stuttgart, o que diz bem da sua relevância para a história da marca.
Outro carro particularmente interessante "descoberto" em Portugal por Charles Howard foi o Austro Daimler "Bergmeister" chassis nº 27019/62 de 1932. Apenas 50 exemplares deste modelo concebido por Ferdinand Porsche foram produzidos devido à crise económica que abalou o mundo e os Estados Unidos em particular durante os anos 30.
O extraordinário Talbot Lago Super Sport de 1938 da imagem que se segue foi também português e, nas palavras do autor do livro, vendido para Inglaterra durante o conturbado período que se seguiu à "feliz" transição de ditadura para democracia no nosso país. Por razões comerciais ainda não completamente esclarecidas este carro tinha a marca Darracq em Portugal. A lindíssima e invulgarmente (para a época) aerodinâmica carroçaria é da autoria de Figoni.
Na garagem do agente Ford para a cidade do Porto estavam o elegante Pierce Arrow 8-Limousine de 1937 (esq), um dos últimos automóveis produzidos por esta magnífica marca americana antes de declarar falência e o interessante Ford AA "Camping Wagon" (dir) cujo interior oferecia um amplo espaço para refeições que podia converter-se rapidamente num quarto com dois beliches com capacidade para quatro pessoas.
Campo Grande 1932
Em 1932 disputou-se o IV Quilómetro de Arranque e o Concurso de
Elegância do Campo Grande, em Lisboa. Para a prova de velocidade
existiam duas categorias, "Sport" e "Corrida", que viriam a dar os
seguintes resultados:
- Em "Sport" o vencedor foi Jaime Gonçalves, em Ford, que conseguiu uma
média de 85,571 km/hora, seguindo-se Luis Faleiro em Isotta-Fraschini e
José Alves Lopes em Morris.
- Em "Corrida" a vitória seria para Eduardo Ferreirinha, também em Ford,
que registou a impressionante média de 109,265 km/hora, ficando o
segundo lugar para Manuel Nunes dos Santos em Bugatti e o terceiro para
Abel pessoa em BNC.
O Rolls Royce de José Rugeronni venceu o Concurso de Elegância cujo júri
era formado pelos senhores Matheus Oliveira Monteiro, Francisco Ribeiro
Ferreira, D. Pedro de Lencastre e António Guedes de Herédia.
Cerca de 15 mil pessoas assistiram ao evento cuja receita reverteu para os pobres de Lisboa.
Bibliografia - Texto e fotos de "Ilustração"(Aillaud, Ed.), 1932.
Bibliografia - Texto e fotos de "Ilustração"(Aillaud, Ed.), 1932.
Flying Scotsman 2016
VIII Edição do Flying Scotsman, prova organizada pela Endurance Rallye
Association (ERA) que tem lugar entre 15 e 17 de Abril de 2016 nas
estradas da Escócia com partida junto do Belvoir Castle e chegada em
Gleneagles. Os cerca de 1,200 km do rallye serão percorridos em três
dias por 113 equipas tripulando automóveis produzidos antes da II Grande
Grande Guerra Mundial. Como habitualmente o nosso país está
representado pela equipa José Romão de Sousa / Manuel Romão de Sousa que
tripulam um Alvis Speed 20 SA de 1932 com o nº 49.
As fotos são de José Romão de Sousa.Matheus Oliveira Monteiro
Na história do automobilismo em Portugal constam dois Matheus Oliveira
Monteiro, por sinal pai e filho. O primeiro, nascido no Porto em 1874,
deixou a sua marca em 1906 ao fazer os dois mil quilómetros da ligação
Paris - Lisboa ao volante do seu Hotchkiss à então extraordinária média
de 40 km/hora. Foi também a primeira pessoa a obter uma "carta de
condução" no norte do país, como se confirma pelo documento junto. O
filho, Matheus Ferraz Oliveira Monteiro, foi um conhecido homem de
negócios ligado ao comércio automóvel sendo agente da Lancia em Lisboa e
proprietário de um dos poucos automóveis produzidos pela marca "Jean
Gras" durante a sua curta existência (1924-1927). Participou em alguns
concursos de elegância automóvel com este carro mas não se lhe conhecem
participações em provas desportivas.
A primeira licença de condução atribuída no norte de Portugal
O carro de Alves dos Reis e Cia
Encontrado agora à venda no stand de Francisco Pueche na Techno Classica
de Essen este belíssimo Hispano-Suiza H6C "Boulogne" 8 Litre
Competition (chassis #11441) era em 1925 o automóvel de passeio de Alves
dos Reis e do seu cúmplice José Bandeira, cujo nome aparecia como
titular no registo automóvel. Recorde-se que estes dois personagens
foram os principais responsáveis por uma das maiores burlas do século XX
que envolveu o Banco de Portugal e o recém formado Banco de Angola e
Metrópole, fundado pelos falsários para "branquear" as notas não
autorizadas emitidas pela mesma empresa que produzia as notas legítimas
que circulavam em Portugal.
Embora se tratasse de um carro de corrida não se conhecem até ao momento
registos da sua participação em eventos desportivos realizados em
Portugal. Após a prisão de Alves dos Reis e José bandeira o
Hispano-Suiza foi leiloado em hasta pública em 1927, permanecendo em
Portugal até 1976, altura em que foi vendido para Inglaterra.
A designação "Boulogne" destina-se a celebrar a vitória de um outro Hispano-Suiza pilotado por Paul Dubonnet na Coupe George Boillot de 1921, prova disputada no Circuito de Boulogne.
A designação "Boulogne" destina-se a celebrar a vitória de um outro Hispano-Suiza pilotado por Paul Dubonnet na Coupe George Boillot de 1921, prova disputada no Circuito de Boulogne.
II Quilómetro Lançado das Caldas da Raínha
Disputou-se a 7 de Setembro de 1930 a segunda edição do Quilómetro
Lançado das Caldas da Raínha, prova dirigida pelo Conde de Fontalva que
teve lugar na chamada "recta da Tornada" num troço de estrada que os
concorrentes declararam "em mau estado". De facto a pista apresentava-se
tão mal tratada que os pilotos inscritos para a prova de motos
decidiram não participar. Apesar disso os automóveis mantiveram-se na
corrida tendo Henrique Lehrfeld, em Bugatti (na foto), vencido a
categoria "Corrida" à velocidade de 178 km/hora enquanto que a vitória
em "Sport" caberia a Luis Faleiro, em Isotta, à média de 125 km/h. Uma
senhora, madame La Caze de Noronha, participou ao volante de um Amilcar e
cumpriu o percurso à respeitável velocidade de 73 km/hora.
Bibliografia - Primeiro Arranque, de Vasco Callixto
Fonte: oestadodasartes
Carlos, parabéns pelas retrospectivas. Sempre que vou a Portugal procuro visitar as oficinas de restauração e museus. Um acervo muito importante.
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